As agressões, as torturas e o sequestro de um lavrador negro, de 32 anos, em agosto de 2021, mostrados em reportagem especial do Jornal do Tocantins, cometidos supostamene por policiais militares do Tocantins e empresários goianos, são o centro da denúncia do promotor de Justiça Rogério Rodrigo Ferreira Mota contra quatro policiais militares tocantinenses e dois empresários, ajuizada nesta terça-feira, 9.

Os alvos da ação são os mesmos da Operação Loteamentos Gerais, deflagrada pela Polícia Civil em março deste ano, que resultou na prisão de quatro policiais do  Batalhão do Choque da Polícia Militar.

Os acusados são:

  1. MARLO SOARES PARENTE, primeiro-sargento do Choque, 43 anos, preso preventivamente na sede do Batalhão de Choque da Polícia Militar desde a Operação Loteamentos
  2. ARTUR FIGUEIREDO PINTO, segundo-sargento do Choque, 43 anos, preso preventivamente na sede do Batalhão de Choque da Polícia Militar
  3. PABLO ROGÉRIO MONTEIRO PARENTE, segundo-sargento do Choque, 43 anos, preso preventivamente na sede do Batalhão de Choque da Polícia Militar
  4. ALDAIR MUNIZ DOS SANTOS, subtentente do 11º BPM em Dianópolis, 57 anos
  5. DIEGO HENRIQUE GURGEL HOSKEN, empresário, 34 anos
  6. ATAÍDES MELO PAIVA, empresário, 57 anos

As acusações do Ministério Público

O Ministério Público os acusa de terem se associado para cometer crimes e constrangido o lavrador com emprego de violência, causando nele sofrimento físico para obter informação ou declaração da vítima. O promotor os acusa ainda de ter sequestrado o lavrador e o mantido em cárcere privado, o que causou "sofrimento à vítima, em razão de maus-tratos e da natureza da detenção".

Segundo o órgão, os militares invadiram a sede da Fazenda Conceição, que está em disputa agrária, onde a vítima trabalhava como caseiro e o torturaram.

Conforme o processo original, mostrado pelo JTo, o lavrador estava em uma rede na sede da fazenda. Era 5h30 da manhã, quando ouviu os latidos dos cachorros e se levantou. Três homens armados invadiram o local a bordo de uma Amarok preta e se aproximaram do único trabalhador no local naquele momento.

O trio o rendeu e o fez deitar-se no chão, onde o vendou com a própria camisa. Com um facão e um pedaço de madeira, o trio o espancou por cerca de 30 minutos nas costas, pernas, braços e na sola dos pés. Durante a surra, questionavam sobre “quem era o dono de lá”, “quem levava a feira para ele lá” e “quem estava entrando e saindo” em relação à fazenda, de acordo com a promotoria.

Em seguida, os homens o obrigaram a desbloquear o celular e entregar para um dos agressores, junto com uma carteira onde havia R$ 1,8 mil.

Os homens o amarraram os pés e as mãos e o ataram em uma árvore, sob a vigilância de um deles. Os outros dois buscaram a picape, depois o colocaram na carroceria, com olhos vendados e imobilizado por cordas. Dois homens subiram na carroceria para vigiá-lo e o carro partiu em direção a Dianópolis.

No meio da estrada, ele foi deitado no assoalho sob uma lona colocada sobre a carroceria. Próximo à Dianópolis, a dupla o retirou da carroceria e o colocou no banco traseiro, do lado direito, sob ameaça de morte para que ficasse em silêncio enquanto passavam pela cidade.

Em Dianópolis, perguntaram o melhor caminho para Brasília, mas indicaram que o deixariam perto dali, pois iriam para a Bahia. Mais tarde, entre Novo Alegre e Combinado, tiraram o lavrador da cabine e o colocaram sentado em uma grota. 

O trio desamarrou o homem e disse que ele só poderia se mexer após contar até 100. Também deixou R$ 100 reais com a vítima, ordenou que comprasse uma passagem para Brasília e saiu com a picape.

O homem procurou atendimento médico e uma enfermeira do hospital de Novo Alegre, sudeste do Tocantins, acionou a Polícia Militar pelo celular da viatura.  A profissional informou que um homem havia chegado ao hospital a pé com o corpo todo lesionado. Era um lavrador da Fazenda Conceição. Com área total de 5.878,2756 ha, em Rio da Conceição, sudeste do Tocantins.

Suspeitos se indentificaram como militares

Um motorista de ambulância ouviu o relato do lavrador para os policiais e disse que tinha visto uma picape semelhante em uma borracharia de Combinado. 

Quando os policiais da ocorrência voltaram, mais tarde, haviam identificado os três militares dentro da picape. Na abordagem, Marlo Soares Parente, Artur Figueiredo Pinto, e Pablo Rogério Monteiro Parente assumiram a identidade militar. Mesmo assim, foram conduzidos para a delegacia.

De acordo com o Ministério Público, embora tenham negado envolvimento com o crime, as investigações revelaram que a caminhonete era registrada em nome do filho do empresário Ataides Paiva e era utilizada por Diego Gurgel, dois sócios em negócios na região de Dianópolis e Rio da Conceição. 

Os dois estão envolvidos em conflito fundiário pela posse da denominada “Fazenda Conceição/Fazenda Lagoa Feia”. Do outro lado da disputa estão os empregadores da vítima da tortura e do sequestro. Uma dupla formada por um médico de Araçatuba (SP) e por um advogado de Salvador (BA). Os dois tentam provar na Justiça a posse e a propriedade do imóvel que afirmam terem comprado em 2014, de antigos donos que viviam no local há quase três décadas.

Segundo o Ministério Público, quebra de sigilo telefônico mostrou intenso contato telefônico na véspera e no dia do crime entre os empresários e os militares, inclusive o policial Aldair dos Santos, apontado pelo promotor como conhecedor da região e que seria o responsável pelo apoio material e moral para assegurar a execução e ocultação dos crimes.  

Até a publicação da matéria não havia advogados associados aos denunciados. O espaço está aberto para manifestações.