“É seguro afirmar que, mais que a desgastada camisa amarela da seleção canarinho, a mandioca seja talvez a maior unanimidade nacional”
– Eduardo Góes Neves, no livro Mandioca - Manihot utilissima Pohl 

A mandioca (Manihot esculenta) – intitulada alimento do século XXI pela ONU, é a base alimentar de 700 milhões de pessoas em 80 países do planeta. No Brasil, sua terra de origem, ela está enraizada em nossa cultura e economia em todas as regiões e tem enorme importância estratégica em projetos com comunidades tradicionais e na produção local e nacional por uma série de fatores: sua rusticidade, estratégica em tempos de extremos climáticos; sua produção tradicional em diversas escalas – doméstica, na agricultura familiar e empresarial; seu forte e diversificado potencial alimentar, agroindustrial, gastronômico e cultural em um sem fim de novas e velhas possibilidades. É preciso fazer uso desta grande força multidimensional e ancestral e convertê-la ainda mais em desenvolvimento.  

Produção e produtividade

O Brasil é o 5º produtor mundial de mandioca – atrás de Gana, Tailândia, Congo e Nigéria. Sua produção se dá em 14 milhões de pequenas propriedades, além dos quintais e da escala empresarial e ocupa o 6º lugar em área plantada e o 8º em renda. Apesar disto, o país é um grande importador de amido de mandioca e de mandioca seca (!!!). Já no ranking de produtividade, vamos muito mal, obrigado, em 31º lugar, apesar da nossa força em desenvolvimento e pesquisa agrícola. A nossa média é de cerca de 14,5 ton/ha – contra 35, da India; 25, do Camboja; e 22, da Tailândia, Indonésia e alguns de nossos estados.

Alto valor nutricional

O amido da raiz da mandioca é livre de glutén e rico em calorias, minerais como ferro e cálcio e em vitaminas – A, B e C. Suas folhas e ramas são ricas em proteínas (teor médio de 28%) e podem ser usadas na alimentação humana e animal. Inclusive as folhas são parte importante da famosa e premiada multimistura da Pastoral da Criança, muito efetiva no combate à desnutrição infantil. 

Mansa e brava

A mandioca, aipim, uaipi ou macaxeira é uma espécie só, inclusive a dita mandioca brava. Não há diferenças de forma, o que muda é o teor de lenamarina presente em cada variedade (são cerca de 4.000 nos nossos bancos genéticos!), só conhecida por exames de laboratório e muito tóxica – ela forma ácido cianídrico em nosso trato digestivo. A mandioca brava em geral é mais produtiva, por isto é conhecida por mandioca de indústria e até pode ser consumida – mas tão somente após um processo de trituração e secagem.  

Potencial – enorme e diversificado

Tanto na forma in natura, quanto a partir de farinha, polvilho, fécula e manipueira, há uma enorme tradição e potencial na gastronomia – com inúmeras nuances regionais. E também na indústria, de diversos portes, com aplicações na panificação, balas, sorvetes, embutidos, pastas de dente, colas, tintas, defensivos agrícolas, nos setores petrolífero, siderúrgico e de papel. Até para a produção de embalagens biodegradáveis – vale a pena conhecer as startups “BCPak” e “Já fui mandioca”.

Consórcios

A mandioca se presta muito bem para plantios de qualquer escala em consórcio com plantas anuais como o feijão e o milho, por exemplo, com melhor cobertura do solo e maior produtividade por área. E também em sistemas agroflorestais, conjugando plantas anuais, semiperenes, frutíferas e madeireiras e que podem ser usados na recuperação de áreas degradadas, inclusive em APPs e reservas legais.

Contradição insustentável

Justamente por ser uma cultura resistente à seca, ao calor e à baixa fertilidade do solo, ela acaba tendo um mau manejo de produção, o que explica ao mesmo tempo a nossa produtividade ruim e problemas de degradação ambiental a começar pelos solos.

Desafios

A cadeia da mandioca precisa avançar muito na sustentabilidade da sua produção, processamento e aproveitamento das oportunidades, a partir de alguns eixos estratégicos de evolução tecnológica e uso eficiente dos fatores de produção, entre eles: elevação da produtividade em todas as escalas, pela disseminação das boas práticas de plantio – adubação e manejo de solo, além do uso de variedades produtivas e melhoramento genético; fortalecimento da rede de propagação de manivas e mudas por gemas foliares; fortalecimento do processamento via agroindústrias e casas de farinha, bem como da capacidade de organização, empreendedorismo e inovação dos produtores e demais participantes do setor. Mas o maior desafio mesmo é a percepção – por governos, produtores e sociedade em geral, desta releitura da oportunidade de desenvolvimento – não como opção, mas dever, dada tanta benção!