A estação seca em seu início ainda permite ações que evitem as queimadas no Tocantins, quer sejam em áreas urbanas, rurais ou silvestres – cada qual com sua dinâmica, estratégia e atores próprios. Mas pela dimensão do problema e a gravidade dos seus impactos ambientais, sociais e econômicos, é preciso o engajamento de muito mais setores do que os normalmente envolvidos. Em duas direções principais: reduzir as massas de vegetação de fácil combustão em lugares estratégicos, criando uma enorme rede regional de aceiros; apagar o fogo no coração e na cabeça das pessoas, inclusive de gestores, por um forte processo de mudança cultural, o que exige boa comunicação e mobilização multi-institucional. Só assim teremos uma mudança real no cenário de doenças, destruição e mortes típico da época que se aproxima.          

Estratégias emergenciais  

Várias estratégias operacionais preventivas ainda são possíveis para evitar a política (atrasada) de apagar o fogo: o aceramento das faixas de domínio e entornos das estradas de todos os portes e tipos do estado, que são usualmente terra de ninguém e eixos de proliferação de grandes queimadas; idem para as faixas de linhas de transmissão de energia e comunicação, das cercas e benfeitorias urbanas e rurais; o pastejo forte de áreas limítrofes das fazendas de gado e até mesmo a gradeação de faixas largas nas mesmas; o uso do fogo preventivo (o que exige conhecimento técnico e experiência na aplicação dos seus protocolos); o manejo (e a cobrança) da limpeza dos lotes baldios e do entorno das florestas urbanas; a mobilização ampla dos responsáveis de todas as áreas, não como uma possibilidade, mas um dever, inclusive o da adoção do protocolo do fogo pelos municípios.                   

Mato igual gasolina  

As plantas invasoras nocivas, com destaque para o capim andropogun, é um problema associado que precisa ser combatido como premissa central na prevenção dos incêndios. Isto é facilmente entendido quando observamos as nossas cidades e estradas: aonde o mato alto é previamente gradeado, raspado ou (minimamente) roçado, as queimadas inexistem ou são facilmente controladas. Aonde não, elas proliferam com força e poder destrutivo.  

Apagar o fogo na cabeça das pessoas ... 

Para cada trecho de vegetação ou montinho de lixo que existe por aí, temos um ou dois piromaníacos para neles atear fogo. Pouca gente realmente maldosa, muita gente descompromissada e ingênua. É preciso quebrar a ideia do fogo como algo inocente – o mal atua muito nas ações das pessoas boas. Criminalizar vai ser impossível, vamos ter de cercar o estado; educar vai ser difícil, mas possível, com o esforço de todos. Explicitar os graves danos sociais e econômicos em cada área é um bom caminho. Envolver o aspecto filosófico e religioso também, já que se trata de um atentado contra toda a Teia da Vida.   

... e não a memória do fogo 

Uma senhora sertaneja ensinou ao ex-presidente da Agência Nacional de Águas, Vicente Andreu, que “a primeira coisa que a chuva lava é a memória da seca”. A segunda, creio eu, é a memória das queimadas do ano passado. Alguém se lembra do incêndio no pátio de veículos apreendidos do Estado em Palmas, porque o lote vizinho era só mato alto e ninguém cuidou de algo tão simples? Alguém sabe quem vai pagar a (alta) conta? 

 Responsabilidade de todos 

Jogar a responsabilidade apenas para os órgãos ambientais, as forças de segurança e a Defesa Civil, ou deixar que elas declarem autossuficiência, é deixar na zona de conforto e omissão muitas pessoas, gestores e instituições que precisam assumir suas responsabilidades em função de suas forças, vocações e domínios territoriais e setoriais: o AGRO (e a extensão rural e ambiental), todo engajado; a infraestrutura, não só rodoviária, mas também da comunicação e energia; a saúde, pois a poluição das queimadas é enorme causa de agravos respiratórios; a educação, pois ao mesmo tempo que escolas e universidades podem ajudar na conscientização do problema, elas tem no fogo uma oportunidade enorme de ensino por processos; as cidades (e nelas, os setores das prefeituras de serviços públicos e parques e jardins), pois trata da qualidade de vida e da saúde das suas populações; a imprensa, os conselhos profissionais e os parlamentos, fomentando as discussões, a mobilização e a evolução. Precisamos reforçar a disciplina e a coesão social dos brasileiros, para resolvermos não só os problemas das queimadas, mas do lixo, da poluição, da erosão, da violência, do trânsito, das doenças endêmicas, entre outras mazelas que fazem o nosso atraso. 

Necessário mas não suficiente ... 

O Plano de Ação do Comitê do Fogo da Defesa Civil (disponível em https://central.to.gov.br/download/287374) é bonzinho, tipo necessário mas insuficiente, pelas lacunas acima discutidas. De um lado, ele deixa muitos setores e instituições na zona de conforto e omissão; de outro, subestima o tamanho desta guerra de corações e mentes e seus muitos efeitos colaterais nefastos. Nós só vamos ser vitoriosos contra o mal das queimadas quando nos engajarmos todos nesta luta, como uma nação.