Uma servidora pública de 54 anos - que prefere não ter a identidade revelada-, está correndo contra o tempo atrás de um medicamento à base de hidroxicloroquina para tratamento da filha contra lúpus, mas após horas de procura na manhã desta sexta-feira, 20, ainda não encontrou em nenhuma farmácia. Tanto o ativo hidroxicloroquina quanto cloroquina, usados também no tratamento contra malária, tiveram resultado positivo, mas não conclusivo, contra a Covid-19 (coronavírus) em pesquisas, a demanda pelo remédio aumentou exponencialmente nas farmácias da Capital, fazendo com que a maioria ficasse sem estoque e trazendo outros riscos de intoxicação e efeitos colaterais devido à automedicação.

“Minha filha só tem remédio para mais cinco dias e eu não encontro em nenhuma farmácia. Eles dizem que o estoque era baixo e acabou porque tem muita gente procurando e pode ser comprado sem receita, ainda que seja taja vermelha [ou seja, deve ser vendido sob prescrição médica]”, disse a servidora e mãe.  

Conforme ela, a filha foi diagnosticada com lúpus, doença autoimune, há três anos e precisa fazer uso do medicamento à base de hidroxicloroquina, com nome comercial reuquinol, todos os dias para que a doença não se manifeste. “Por ser uma doença autoimune, as células saudáveis são atacadas pelo próprio organismo e ela não pode ficar sem o medicamento porque corre risco da doença se manifestar e atacar os órgãos vitais. As pessoas estão comprando o remédio sem receita por irresponsabilidade e quem realmente precisa, tem receita, não consegue”, afirma.

Outra que também está ficando preocupada com essa falta é a fotógrafa Erika Cristina, de 32 anos, que também faz uso contínuo do remédio para tratamento de lúpus. Ela conta que ainda tem medicamento para 20 dias, mas nenhuma das que procurou tinha o medicamento. “Eu estou ligando desde a madrugada, uma disse que chegaria hoje, mas ainda não chegou. Coloquei meu nome na lista de prioridade porque tenho receita e realmente preciso. Nunca tinha tido dificuldade para encontrar antes, mesmo sendo um medicamento com baixo estoque e para doenças específicas até por ter efeitos colaterais graves, não pode ser usado de qualquer jeito”, frisa.

Em um giro por farmácias da região norte, centro e sul, os atendentes informaram a equipe do Jornal do Tocantins que o remédio estava em falta, em algumas desde a semana passada, em outras desde ontem quando houve uma veiculação mais maciça do uso do remédio ter potencial contra coronavírus.

Conforme a atendente Edneia Lopes, na farmácia onde trabalha o estoque zerou e ainda há muita gente ligando procurando. “Depois que passou no jornal muita gente procurou, já tinham divulgado que estava sendo testado, então a procura aumentou muito, mas acabou porque o estoque é baixo já que o medicamento quase não sai”, explica.

Em outra farmácia de manipulação, o trabalhador do setor de vendas Rafael Vinicius Moreira, disse que o estabelecimento ainda conta com matéria-prima para manipular, mas nenhum industrializado, e por isso começou a conscientizar a população. “Já recebemos umas 50 ligações só hoje, as estamos sem o medicamento na drogaria. Temos a matéria-prima, mas estamos tentando explicar às pessoas que não é um medicamento para prevenção, mas para tratamento de quem já tem problema crônico. Tem gente que precisa, faz o uso contínuo e não está encontrando, está uma situação complicada e estamos ao máximo tentando explicar aos clientes porque a maioria compra sem saber para que serve direito, não sabem dos efeitos nem quem deve realmente usar”, destaca.

Riscos da automedicação

Na maioria das farmácias contatadas, os atendentes contaram que as pessoas nem chegam a explicar para que precisam do remédio ou pedir informações sobre o uso, mas compram porque não é um medicamento que precisa de receituário especial, o que pode acarretar em vários problemas, segundo o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Tocantins, Maykon Paiva.

“Essas notícias recentes das pesquisas acabaram ocasionando em uma espécie de corrida desenfreada, mas além de faltar para quem precisa, a hidroxicloroquina pode ter efeitos graves, também por interação medicamentosa e trazer problemas graves a pessoa, além de intoxicação aqueles que tomam dois, três achando que ficarão super protegidos, sem terem sido prescritos, e podem ir parar no hospital, além de aumentar a superlotação nos leitos”, explica o farmacêutico, lembrando que a automedicação não é indicada e pode trazer reações adversas devido a droga fazer modificações no organismo e trazer riscos se usada de maneira incorreta.  

Conforme o presidente, o Conselho já está tomando medidas contra essa venda desenfreada, e pretende emitir uma recomendação para que as 156 farmácias da Capital e as do interior não vendam o medicamento sem receita. “Marcamos uma reunião do comitê de farmácia clínica do Conselho e vamos emitir um ofício circular para todas farmácias a fim de que o remédio seja retido somente para quem comprove ter problema de saúde e precisar desse tipo de tratamento. A equipe de fiscalização estará atuando onde houver denuncias e,  junto com outros órgãos de fiscalização, pode autuar o profissional que descumprir a recomendação”, afirma.

Segundo Paiva, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou que as distribuidoras com estoque do medicamento travem o seu repasse para as farmácias. Além disso, o órgão  também emitiu nota técnica de esclarecimento quanto ao potencial dos ativos no combate ao coronavírus e afirmou que “apesar de promissores, não existem estudos conclusivos que comprovam o uso desses medicamentos para o tratamento da Covid-19. Portanto, não há recomendação da Anvisa, no momento, para a sua utilização em pacientes infectados ou mesmo como forma de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus”.

Além disso, o órgão frisou que a “automedicação pode representar um grave risco à sua saúde”. Confira a nota técnica na integra aqui.