Ao colher o depoimento do policial civil Carlos Augusto Pereira Alves, após as operações policiais desta quarta-feira, 20, a Polícia Federal revelou desconfiar que policiais da Secretaria da Segurança Pública (SSP) lotados na 1ª Denarc (Divisão Especializada de Repressão a Narcóticos) teriam forjado uma operação policial em Gurupi, cidade base do governador Mauro Carlesse (PSL) para incriminar, por tráfico de drogas, um suspeito participar da produção e divulgação de imagens de um suposto caso extraconjugal da então esposa do governador, como retaliação. 

O policial ouvido disse nada saber do caso, nem que tenha sido ele ou alguém que ele conheça os responsáveis por terem plantado a droga na motocicleta e residência do homem, identificado como Ernandes da Silva Araújo Júnior, um fiscal de caixa de supermercado, de 30 anos.

No trecho que trata da suspeita, o delegado da Polícia Federal Bruno Campos Dona pergunta ao policial sobre uma operação chamada "Bobfall". No documento, há informação de que a operação se deu em Gurupi no dia 11 de junho de 2020, quando teria ocorrido a prisão, em flagrante, do suspeito de ser um dos divulgadores do vídeo.

Entre as questões postas pelo delegado ao policial se o policial era um dos prováveis agentes que teriam plantado drogas na motocicleta e na casa de Ernandes Júnior. Carlos Alves também negou ter conhecimento de quem era o delegado e os demais policiais da operação e negou ainda ter participado da prisão do suposto suspeito de divulgar os vídeos.

A Polícia Federal confrontou o policial com nomes do delegado Ênio Walcácer de Oliveira Filho e dos policiais Victor Vandré Sabará Ramos, José Mendes da Silva, Marcos Augusto Velasco Nascimento Albernaz,  Geovano de Oliveira Dantas e do policial militar Rudson Alves Barbosa. Todos os nomes são de alvos das ações desta quarta-feira, 20,  e estão afastados dos cargos e proibidos de entrar em órgãos estaduais por decisão do STJ. O policial confirma conhecer os primeiros, mas disse não saber se eles participaram da operação suspeita em Gurupi.

O fiscal de caixa preso preventivamente na operação suspeita, no dia 12 de junho de 2020, só teria a prisão revogada no dia 24 daquele mês, após uma decisão da juíza Mirian Alves Dourado. Durante o tempo, o homem, que é hipertenso (grau 3) e sofre de asma desde a infância permaneceu preso na Casa de Prisão Provisória de Gurupi.

Uma das razões para a soltura, apontada pela juíza é que a maior parte do suposto entorpecente apreendido na residência do alvo da operação suspeita, que é gerente de requerente apresentou resultado negativo, conforme um laudo anexado no inquérito policial, que corre sob segredo de Justiça. Na prisão suspeita, os policiais encontraram cerca de 31g na moto e cerca de 78g.

No ano passado vídeos com imagens eróticas da ex-primeira dama Fernanda Carlesse circulou em redes sociais, com edição sugerindo um relacionamento extraconjugal dela. Poucos meses depois, o governador e ela se separaram e o governador repaginou o visual e o vestuário.

Direcionamento

A decisão do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (SJT), que afastou a cúpula da SSP afirma que a PF encontrou elementos probatórios e indiciários robustos de que a suposta organização criminosa enraizada no centro do Governo do Estado do Tocantins, liderada, em tese, pelo governador “aparelhou todo o sistema de Segurança Pública do Estado do Tocantins”.

Junto com o governador Mauro Carlesse a cúpula da SSP afastada dos cargos inclui o secretário de Segurança Pública (SSP), Cristiano Barbosa Sampaio, a diretora-geral Raimunda Bezerra de Souza; além da diretora do ESPOL Cinthia Paula de Lima, o chefe da divisão de repressão à corrupção (Draco) Gilberto Augusto Oliveira Silva, o secretário executivo da SSP Servilho da Silva de Paiva, o corregedor-geral da SSP Ronan Almeida Souza e o delegado da Divisão de Repressão à Narcóticos, Enio Walcacer de Oliveira. 

Ainda estão na lista o escrivão Victor Vandré Sabará Ramos, que é assessor do secretário da Educação, o agente e gerente do Núcleo de Inteligência do Detran José Mendes da Silva Júnior, e os agentes Carlos Augusto Pereira Alves e Antônio Martins Pereira Junior, , cedidos ao Ministério Público do Tocantins. Por fim também é alvo o gerente de Inteligência da Casa Militar de major da Polícia Militar, Rudson Alves Barbosa.

Eles estão proibidos de manter contato entre si e de entrar em prédios públicos do Estado.

Histórico

O aparelho da SSP apontado pela PF e Ministério Público Federal remonta a 2018, quando após estabelecer outro patamar de atuação das especializadas, especialmente, a Delegacia Especializada em Investigações Criminais de Araguaína (DEIC-Norte), de Araguaína, encabeçou a lista de delegacias que tiveram os titulares, com atuação independente do Executivo, afastados e culminou com a extinção da Delegacia de Repressão a Crimes de Maior Potencial contra a Administração Pública (DRACMA). Ambas responsáveis por grandes investigações contra aliados do governador Carlesse.  Depois o governo impôs o "decreto da mordaça" aos delegados e policiais, mudou o estatuto, abriu sindicâncias sem justas causas contra os delegados que investigavam corrupção, a maioria extinta por decisão judicial. Também promoveu a remoção de delegados das especializadas no combate à corrupção para delegacias comuns. 

Agora, todo o conjunto aparece, segundo as investigações, como intervenções políticas da suposta organização para permitir o direcionamento de apurações contra adversários políticos do grupo e resultou na modificação de normas que regem a estrutura funcional da Polícia Civil do Estado do Tocantins, retirando garantias dos delegados de polícia e que possibilitavam investigações sem interferências políticas.