Em 2 de agosto de 2024, o Brasil precisa acabar com todos os lixões a céu aberto, conforme as regras da Política Nacional de Resíduos Sólidos, prevista na Lei n° 14.026, de 2020, que fixou o prazo final para os municípios com população inferior a 50 mil habitantes se adequarem à medida. Mas, assim como no restante do país, a sete meses do prazo, o estado do Tocantins possui municípios que ainda utilizam a disposição inadequada de resíduos sólidos.

Uma vistoria realizada pelo Ministério Público aponta que entre os 139 municípios do estado, apenas 4 possuem aterros sanitários e há 135 lixões. Ou seja, mais de 97% dos municípios ainda fazem uso da prática de disposição de seus resíduos a céu aberto. Os 139 municípios tocantinenses foram vistoriados entre 2018 e 2020.

Dentre os municípios que estão nessa situação, encontra-se Almas, região sudeste do estado. De acordo com o Censo Demográfico 2022, feito pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), o município possui uma população de 6.499 pessoas. 

Moradores da região reclamaram sobre o problema à equipe do Jornal do Tocantins, que esteve no local. O agropecuarista Hugo Araújo Filgueira Filho, de 47 anos, disse que possui uma fazenda em frente ao lixão.

"Eu tenho uma fazenda em frente ao lixão. O problema é o seguinte: ele fica dentro da cidade e, quando chove, escorre muita lama desse lixo para as casas próximas. Sem contar que há um povoado nas proximidades". (Confira no vídeo os problemas causados pela disposição inadequada dos resíduos para o morador)

Outro morador, o motorista Abraão Soares da Silva, de 37 anos, ressalta que também mora nas proximidades junto com sua família e já teve vários prejuízos.

“Minha casa fica a cerca de 300 metros do lixão e é um problema que persiste há muito tempo. Eu até criei gado perto do lixão, mas meus animais ficam comendo plástico, então eu já perdi dois gados por causa disso”.

Ele expressa insatisfação com a gestão municipal por não resolver o problema que persiste há anos. “A gestão disse que ia solucionar esse problema, é uma promessa de campanha, mas ainda não foi resolvido. Ninguém vem mais aqui. Então, está prejudicando todo mundo, tanto quem mora perto quanto toda a população que precisa conviver com o lixão tão perto das casas”. 

Especialista avalia impacto dos lixões a céu aberto

A engenheira ambiental Ana Maria Cortes Franco explica que faltam investimentos para tratar o problema no estado.

“Os lixões são uma realidade no Brasil, no Tocantins, e infelizmente nós não temos uma coleta e um tratamento adequado dos resíduos sólidos urbanos. Nem os resíduos domésticos, nem os hospitalares. O custo para o tratamento adequado, para um aterro sanitário, é alto, é elevado. E os municípios não investem nessas áreas”.

Ela ressalta os problemas que podem causar à população. “Os lixões a céu aberto são um grande problema de saúde pública, trazem riscos à população, atraem muitos vetores, aumentam a quantidade de moscas no entorno e, além disso, são visualmente muito desagradáveis”.

A especialista destaca que a decomposição da matéria do resíduo sólido disposto a céu aberto prejudica o meio ambiente. “Isso gera um chorume, que é altamente poluente, e há um grande risco de contaminar os lençóis freáticos. Esse é um dos grandes problemas dos lixões, e os aterros costumam ter algumas medidas mitigadoras para evitar que o chorume chegue aos lençóis freáticos”.

O que diz o Município de Almas

A secretária de Turismo e Meio Ambiente da Prefeitura de Almas, Brenda Vendella da Silva Santos, explica ao JTo que o Município faz parte do Consórcio Intermunicipal Vale do Rio Manuel Alves com o objetivo da construção de um aterro sanitário. "No momento, estamos juntos com o Estado do Tocantins no programa Lixão Zero".

Ela ressalta que, na quinta-feira, 25, haverá uma reunião em Dianópolis com o objetivo de resolver essa situação junto aos Municípios que fazem parte do Consórcio e os que demonstraram interesse em entrar.

Estarão presentes, de acordo com ela, representantes da Secretaria de Meio Ambiente do Estado, o Ministério Público do Tocantins, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e os representantes dos municípios de Almas, Porto Alegre, Dianópolis, Rio da Conceição, Taipas e Chapada da Natividade.

Consórcio Vale do Rio Manoel Alves

A Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) confirma o município de Almas no Consórcio Vale do Rio Manoel Alves contemplado com o projeto piloto Lixão Zero.

“As atividades foram iniciadas no início de novembro de 2023, com previsão de duração de três anos. Estão previstas reuniões mensais para o ano de 2024, onde serão discutidas as ações necessárias para efetivar a implementação do aterro, prevista para o ano de 2025".

Ressalta que atualmente o projeto está na fase de elaboração da planta do aterro sanitário, “bem como dos preparativos para o licenciamento ambiental, com o apoio técnico e recursos financeiros da Aura Minerals”.

Por sua vez, a gerente de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Semarh, Hélia Rodrigues de Azevedo Pacheco explica que a maioria dos municípios do Tocantins ainda deposita os resíduos que produzem em lixões.

“A Semarh, por meio da Diretoria de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, está articulando e incentivando os municípios do Estado a trabalhar a gestão compartilhada ou associada através de regionalização, para o aumento da escala, a diminuição de gastos financeiros, ganhos ambientais, econômicos e sociais”.

Projeto Chega de Lixão

O promotor de justiça Francisco José Pinheiro Brandes Júnior, que atua na área ambiental do Ministério Público do Tocantins, explana que o órgão ministerial possui o Projeto “Chega de Lixão”, concebido para pactuar arranjos institucionais e operacionais que viabilizem a implantação de modelos intermunicipais de gestão de resíduos sólidos.

“Esse tema a gente já enfrenta há aproximadamente uma década, começamos em 2000 a fazer o levantamento de todos os lixões do Estado do Tocantins. Esse diagnóstico é feito não só a nível de análise local, não só a nível de vistoria local, mas também a nível de atuações processuais administrativas, temos um painel de monitoramento de toda essa questão de resíduos sólidos”.

Segundo o promotor, há dois anos foram criadas as Promotorias Regionais Ambientais do Tocantins: Promotoria Regional Ambiental do Araguaia, Promotoria Regional Ambiental do Bico do Papagaio e a Promotoria Regional Ambiental do Tocantins.

Ele ressalta que assim como Almas, a grande maioria dos municípios com populações menores possui as mesmas características sobre a disposição do lixo.

“São disposição dos resíduos sólidos de qualquer forma, a mistura desse resíduos sólidos com resíduos da Saúde, pneus, carcaças de animais. Qualquer pessoa tem acesso a esses locais. Você vai ter crianças andando, animais domésticos, cachorro, gato, você não vai ter um controle de acesso e não vai ter cercamento dessas áreas”, explica.

Ele destaca ainda que a promotoria atua na fiscalização na área jurídica. “Mas a questão de implementar ou não a Política de Resíduos Sólidos é uma decisão do Estado e dos Municípios. E a gente percebe que nem sempre a judicialização tem servido de forma positiva, como eu disse a gente está a praticamente 10 anos nessa situação”.

O promotor lembra que durante os 10 anos de atuação, a situação poderia ser amenizada se os municípios adotassem a Política Pública Resíduos Sólidos. “Iniciativas até que bem simples, por exemplo a educação ambiental é você fazer a coleta seletiva e destinar da forma correta os resíduos sólidos”.

Ações para 2024

O promotor ressalta sobre as ações do órgão ministerial para o ano de 2024. “Nós vamos continuar nesse trabalho das gravimetrias (diagnósticos), vamos continuar fazendo essa interlocução com os municípios, apresentando a proposta do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). No final do ano passado nós encaminhamos solicitações ao Tribunal de Contas para que fizessem auditorias específicas em alguns contratos relacionados à gestão de resíduos sólidos urbanos, para que pudéssemos entender mais profundamente como está sendo alocado esse recursos nestes municípios”. (Confira no vídeo mais detalhes sobre as ações do órgão ministerial para esse ano).