Dídimo Heleno

Há uma grande possibilidade de a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ficar responsável por regular conteúdo de fake news no Brasil. Isso, porém, tem levantado discussões entre especialistas. Há quem diga que se trata de uma péssima ideia, mas, por outro lado, há quem considere uma opção coerente. 

A própria Anatel vem trabalhando junto ao Congresso para se colocar como melhor solução de órgão regulador, mas há quem entenda que é preciso ponderar qual a estratégia legislativa para decidir se o caminho para fazer essa decisão é ou não por meio do Projeto de Lei 2630/20 (PL das Fake News). 

Em havendo impasse nessas tratativas, é possível que se faça um acordo com o governo para a edição de uma medida provisória. Entre os que estudam o tema das fake news há um consenso de que é preciso ter um órgão regulador especializado em conteúdo, que seja independente e livre de interferência política. O que, convenhamos, não é fácil. 

O diretor executivo do Instituto Vero, Caio Machado, diz que é preciso observar a neutralidade de rede e ter cuidado para não misturar competências de governanças que são diferentes. Argumenta-se que a Anatel trabalha em um nível de telecomunicações. Já o Comitê Gestor da Internet ( CGI) se responsabiliza por uma camada lógica que é formada por protocolos como o IP, o principal dispositivo de comunicação e capaz de endereçar tudo o que trafega pela rede mundial de computadores, mas nenhum lida com conteúdo de fato. 

“Havendo necessidade, a Anatel é uma péssima opção. É um tiro no pé. A Anatel já não está cumprindo a sua finalidade em um setor que lhe compete. A agência também tem problemas de desenho por ser politicamente capturada e influenciada por grupos de interesse, ela não contempla um espaço de discussão da sociedade civil. Isso é algo que o CGI já tem”, diz Machado.

Para o especialista em Direito Digital, Marcelo Crespo, “fake news é um esquema criminoso e precisamos utilizar técnicas de combate ao crime organizado. No final das contas, fake news dá dinheiro porque movimenta grande parte dos usuários da rede a comentar, falar, repostar. Toda a vez que você tem um conteúdo que ganha bastante destaque, ele tem muita chance de ser remunerado pelos ads [anúncios]. Não quero que seja criminalizada a opinião. Mas eu não posso ter uma opinião, por exemplo, de que os negros devem ser escravizados porque há um limite da lei. Me refiro à opinião do gosto mesmo. Isso não pode ser criminalizado. Para todas as outras coisas que podem, eu preciso ter uma polícia forte, que tenha condições de investigar, preciso ter um Ministério Público ativo, um judiciário capacitado, preciso ter até uma Anatel observando se os provedores de internet estão cumprindo os requisitos. Dificilmente, a Anatel, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ou o CGI teriam condições de fazer um papel de órgão fiscalizador de Fake News porque a chance é muito maior deles se tornarem censores do que conseguir efetivamente resolver”, conclui. 

Para os defensores da Anatel como reguladora dos conteúdos de fake news o argumento que sobressai é o fato de o órgão ser a melhor solução orçamentária, evitando-se custos com a criação de um novo órgão, sendo possível fazer um aproveitamento da estrutura operacional já existente. Outro parelelo que poderá ser feito é o adotado por outros países europeus, a exemplo da Alemanha. Lá há a expectativa de que Agência Federal de Redes (Bundesnetzagentur) venha a ser a agência reguladora de serviços digitais. A própria Anatel vem tentando convencer o Congresso de que tem quadros experientes em temas como engenharia, regulação, economia, proteção do consumidor e de dados, além de cultura institucional que pode ser positiva para a regulação de conteúdos. A ver.