Dídimo Heleno
 
Um dos grandes dilemas do momento é conciliar a existência do vírus com a volta de atividades presenciais. É certo que muitas delas, caso se tomem os devidos cuidados de proteção, podem retornar com segurança, como ocorrem com as sessões dos tribunais dos júris. Em Araguaina, por exemplo, três julgamentos que aconteceriam entre os dias 1º, 3 e 10 deste mês foram cancelados em razão de uma discussão que envolveu o uso de máscaras durante os debates em plenário. No caso, o julgamento tinha como réus pessoas acusadas de terem praticado crime de homicídio. O juiz Francisco Vieira Filho diz que essa foi a quarta tentativa de se realizar as sessões, o que redundou na revogação da prisão preventiva dos acusados, inclusive um deles estava encarcerado há cerca de dois anos no aguardo do julgamento. 
 
Medidas foram tomadas pelo magistrado de Araguaina, no sentido de garantir a segurança dos envolvidos nas sessões de julgamento, como o uso obrigatório de máscaras e a presença restrita de familiares e pessoas da comunidade. Contudo, o promotor de Justiça Pedro Jainer Passos Clarindo da Silva disse que o uso de máscara iria obstruir a boca, o que acabaria por comprometer os debates, sugerindo que fosse utilizado o chamado aparelho de acrílico (faceshield). 
 
Para o magistrado, esse tipo de aparelho (faceshield) protege tão somente as vias oculares do usuário, o que não é suficiente para impedir a propagação do vírus, alertando, ainda, a respeito dos contágios por meio de pessoas assintomáticas, além do risco de contaminação do preso, o que poderia se alastrar no ambiente das prisões. Para a infectologista do Hospital Sírio Libanês de São Paulo, Mirian Dal Ben, “uma coisa importante é que o uso de faceshield não elimina a necessidade de máscara. Embora proteja contra as gotículas, ele não é elemento filtrante de ar”. 
 
Nesse mesmo caso de Araguaina, os advogados e membros da Defensoria Pública, além dos demais envolvidos, concordaram com a atuação com uso de máscaras, sendo que apenas o promotor de Justiça teria se posicionado de forma contrária. Segundo o advogado Wantuil Luiz Cândido, “o interesse público de prevenção à Covid-19 deveria prevalecer sobre o interesse individual do promotor”, pois, em seu entender, a mesma dificuldade com relação à oratória e o uso de máscara também seriam sentidas por parte da defesa. 
 
O juiz Francisco Vieira citou, como exemplo, os profissionais da saúde que, apesar dos riscos, continuam prestado os seus serviços. O promotor de Justiça disse que irá recorrer da soltura dos acusados e argumentou que o não uso de máscaras nos debates é uma postura institucional recomendada pela Corregedoria-Geral do Ministério Público, não se tratando de posição pessoal. Disse, ainda, que tais regras foram informadas um dia antes do julgamento, tendo sugerido que o preso seja interrogado por videoconferência, de dentro da prisão 
 
Diante da polêmica, o Ministério Público Estadual emitiu nota e solicitou, em caráter de urgência, “a elaboração de um plano de biossegurança para os tribunais do júri e a suspensão das sessões em todo o Estado”, mas alega que a segunda parte do pedido teria sido negada pela presidência do TJ. Ainda na nota, o MP afirma que “Araguaína tratou-se da única comarca do Estado a agendar temporada presencial de tribunal do júri neste período de pandemia, apesar do preocupante quadro epidemiológico da cidade. Sobre as sessões já realizadas, os respectivos réus permaneceram presos, em razão do seu envolvimento em outros processos judiciais”.
 
Segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins, desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, que foi ouvido por esta coluna, “a retomada dos júris presenciais é de vital importância para dar cumprimento à prestação jurisdicional, como preconiza a Constituição a respeito da duração razoável do processo, e também para assegurar que pessoas possivelmente inocentes não fiquem presas e que possam ser liberadas através dos julgamentos, como é o caso do tribunal do júri. A nossa preocupação, e creio que a dos demais parceiros que representam o sistema de Justiça, é a mesma, ou seja, a de retomar os júris, até mesmo para evitar a prescrição dos crimes cometidos por pessoas realmente culpadas e proporcionar a absolvição daquelas porventura inocentes, permitindo que o Estado possa exercer o direito de punição e a defesa de exercer o seu sagrado direito de atender aos seus clientes que estão presos  e aguardando julgamento. Essa é medida que encontra ressonância na própria Constituição. A retomada dos júris está acontecendo em quase todos os Estados do Brasil, de forma rotineira e normal, e nós devemos também caminhar para isso, através do diálogo, por isso criamos uma comissão, integrada pelo Ministério Público, Defensoria Pública e OAB, com o intuito de discutir as normas de segurança para a saúde, em face da Covid-19, dentre elas o uso permanente de álcool em gel em cada mesa dos jurados, do juiz, do promotor e do advogado, o uso de termômetros, limitação de pessoas dentro do recinto, sanitização total do ambiente, inclusive nos intervalos, tendo sido discutida a possibilidade de colocarmos cabines de acrílico para proteger os profissionais, que poderão exercer o seu múnus com tranquilidade. Esperamos que todos possam chegar a um denominador comum, com o intuito de retomarmos esses importantes julgamentos, que são vitais para a manutenção do Estado Democrático de Direito”, concluiu.
 
Também ouvido por esta coluna, o advogado Paulo Roberto da Silva, procurador-geral de prerrogativas da OAB Tocantins, membro do Conselho de Segurança do Estado, membro do Conselho Penitenciário e membro do grupo de estudo junto ao Tribunal de Justiça para a retomada dos júris, disse que “o posicionamento da OAB com relação a tais sessões, audiências e sustentações orais devem ser presenciais, principalmente os júris, pois está em jogo a vida do cidadão acusado. O réu tem que estar presente, pois ele é o timoneiro da defesa, é ele que direciona o defensor para o caminho que ele quer seguir. Nós não podemos fazer o júri sem a presença física do réu, sendo importante ouvir as testemunhas na presença dos jurados, que são os julgadores. É importante, também, que o advogado que milita no tribunal do júri não tem apenas a sua palavra aquilatada, mas os seus gestos, a sua forma de se posicionar, a sua forma de mostrar as provas dos autos. Como nós iremos fazer os júris por videoconferência, sem ter como exercermos plenamente a defesa do acusado? Outro detalhe que chama a atenção é que, para o Ministério Público, é muito bom, pois todos os meses os seus membros recebem os seus salários, assim como os juízes, os defensores públicos, os serventuários da Justiça, mas o advogado, não, por isso ele tem necessidade de trabalhar, de desenvolver a sua atividade com legalidade, com liberdade e com amplitude, sendo impossível fazermos julgamentos da forma que está sendo posta por alguns defensores dos júris por videoconferência. O pensamento da OAB é esse e que se realizem os júris, desde que tomadas todas as cautelas, afinal temos preocupações, mas nós vimos recentemente no Supremo Tribunal Federal, quando deu posse ao ministro Fux na presidência, que todos estavam protegidos e com certeza seguiram as orientações do Ministério da Saúde, da OMS, enfim, dos órgãos competentes para a segurança e vigilância sanitária. O júri presencial garante a ampla defesa para o acusado, o devido processo legal, o que será prejudicado caso ocorram os julgamentos por videoconferência. Essa história de que os réus podem levar o vírus para dentro do sistema prisional é risível, pois os agentes penitenciários tem contato direto com os acusados e fazem isso todos os dias, vão ao supermercado, fazem compra, depois voltam ao trabalho. Ou seja, eles correm riscos de levar a doença para os presos. Por isso não podemos compreender que o Secretário de Cidadania e Justiça relute em apresentar os réus em juízo quando da realização das sessões dos júris”, argumentou.