Dídimo Heleno

A Emenda Constitucional nº 125, que foi aprovada no mês de julho de 2022, criou o denominado “filtro da relevância”, que vai permitir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) só julgar questões federais relevantes que possam inaugurar jurisprudência especial. Esse assunto foi tratado no Anuário da Justiça Brasil 2023, lançado no último dia 10.

Sobre o assunto o ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, disse o seguinte: “Temos a dimensão do desafio e a certeza de que se não aproveitarmos essa última oportunidade não teremos outra. É a última chance de o STJ se impor como uma corte superior, com uma função específica na Constituição – que não é de controle judicial”.

Em artigo para o site Conjur o correspondente Danilo Vital diz que, de fato, nenhuma das propostas anteriores, desde a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45/2004), resolveu o problema do STJ. Nem mesmo o uso de súmulas, fixação de teses em recursos repetitivos e a criação de uma cultura de precedentes, alavancada pelo CPC 2015, não impediram o aumento do número de processos na corte. 

E continua o articulista: “O filtro da relevância é uma solução viável porque emula uma experiência que deu certo: a repercussão geral no Supremo Tribunal Federal. Quinze anos depois de sua entrada em vigor, em 2007, a sistemática deu à corte constitucional um padrão de razoabilidade para trabalhar. Os efeitos da inovação podem ser na evolução, ou involução, do acervo de recursos pendentes nos últimos anos que baixou de 90 mil em 2010 para pouco mais de 20 mil em 2022. A tendência é que o STJ se inspire totalmente no STF”.

Importante notar que para não se apreciar um recurso, por exemplo, será necessária a manifestação de dois terços dos julgadores da seção, no STJ. As turmas julgarão casos em que a EC 125 prevê relevância presumida, tais como ações penais, de improbidade administrativa, processos com valor superior a 500 salários mínimos, os que possam gerar inelegibilidade e que contrariem jurisprudência da própria corte. 

E alerta Danilo Vital: “Assim, os recursos repetitivos fatalmente serão absorvidos pelos julgados considerados relevantes, inclusive porque terão caráter vinculante, mediante sua inclusão no rol do artigo 927 do Código de Processo Civil. Essa vinculação vai valer não apenas para aqueles em que a relevância for admitida, mas também para os casos em que for recusada: isso indicará que determinados temas não merecem análise no STJ e, portanto, delegará a última palavra aos tribunais de segundo grau, com todos os ônus e bônus que isso acarreta”.

Dessa forma, segundo Vital, os ministros terão o poder de fazer a própria agenda e, de certa forma, “escolher” o que querem julgar e construir jurisprudência “conforme bem entenderem”. Para o assessor Marcelo Marchiori, do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas, “esse cenário vai tirar das partes o chamado ‘fator vai que’: vai que o tribunal aceita, vai que a jurisprudência muda”. Para ele, outra consequência grave é que a decisão colegiada que analisa a relevância será irrecorrível.

Se você, profissional do Direito, acha que fazer subir um recurso especial ao STJ é tarefa hercúlea, agora as portas estarão ainda mais fechadas. A expectativa é que o número de processo, com essa medida, cairá de 30% a 40%. Danilo Vital mais uma vez assevera: “Haverá problemas. O mais imediato é como oferecer um contraditório substancial para eleger o que é ou não relevante. Hoje, o Nugep facilita o trabalho dos ministros ao receber das instâncias ordinárias a indicação de temas a serem uniformizados ou identificá-los com ajuda da inteligência artificial. No caso da relevância, as razões e contrarrazões recursais serão suficientes para fazer esse cotejo? Como será tratada a figura do amicus curiae – que, por sinal, há muito tempo não age como’amigo da corte’, mas como terceiro interessado?”. 

O ministro Marco Buzzi diz que se alcançará a “finalidade, que é dar mais efetividade à prestação jurisdicional nos casos”. A ministra Assusete Magalhães diz que “é melhor que julgue menos, mas só julgue o que for relevante”. Ela acrescenta que o STJ funciona como corte de controle dos acertos e desacertos das instâncias ordinárias e que assim não pode permanecer. 

Os críticos dizem que a EC 125 não conseguirá resolver a questão criminal, pois há uma resistência de juízes e tribunais em seguir a jurisprudência da 3ª Seção, a exemplo do Tribunal de São Paulo, o que mais encaminha processos ao STJ. Com tudo isso, diz Vital que o habeas corpus será ainda mais atrativo, por oferecer resposta rápida. Para o ministro Rogério Schietti, isso ocorre no Brasil por se o único pais do mundo em que o HC serve para discutir abusos que não digam respeito à liberdade do réu. 

Mas o mesmo Schietti pontua: “Por outro lado, como não usar o habeas corpus? Restringir esse uso é desproteger o réu”. Para Danilo Vital, “ao fim e ao cabo, a aprovação da EC 125/2022 é mesmo uma grande vitória do STJ, que deve ser conduzida com o devido cuidado. A criação de um filtro recursal tal como a repercussão geral do STF começou a ser gestada há dez anos, na presidência do ministro Felix Fischer, que assumiu a direção do STJ em 2012”. Veremos como tudo isso se dará na prática.