Dídimo Heleno
 
Volta e meia somos obrigados a assistir cenas sofríveis de pessoas que se acham acima das demais e da lei, não se constrangendo em protagonizar as sofríveis “carteiradas”. Recentemente um morador do condomínio Alphaville, em São Paulo, humilhou grosseiramente um soldado PM e, mesmo estando visivelmente embriagado, não foi preso. Isso tudo aconteceu perante uma câmera de celular e diante da filha e esposa do agressor. 
 
No último final de semana foram exaustivamente veiculadas as cenas do desembargador do Tribunal e Justiça de São Paulo Eduardo Almeida Prado Rocha Siqueira, que com aquela típica gentileza dos canalhas destratou um agente da Guarda Civil Municipal de Santos, que havia pedido para ele usar a máscara, em razão da Covid-19. 
 
O desembargador troglodita chama o guarda de “analfabeto” e simplesmente amassa e joga o papel da multa no chão (outro ato de trogloditismo), não sem antes ligar para o secretário de Segurança Pública da cidade de Santos, Del Bel, exigindo que este falasse com o “inconveniente” guarda municipal. 
 
Esse desembargador, inclusive, é contumaz na prática de tais atos. Os seus abusos variam de contatos pessoais impróprios até a quebra de uma cancela de pedágio simplesmente por ele não ter tido paciência de esperar e, certa vez, passou uma descompostura numa colega magistrada porque esta se mostrou preocupada com o estado de saúde de uma ascensorista. Para o magistrado, tal atitude “rebaixaria a classe dos magistrados”.  
 
Quem conhece a canhestra figura de perto pode melhor dizer sobre ela. É o caso da desembargadora Maria Lúcia Pizzoti, que atuou com ele quando ingressou na carreira. “Ele é uma figura desprezível. Ele é o tipo de pessoa que teve ‘bola dividida’ com muita gente. É importante falar sobre o comportamento dele porque a sociedade não tolera mais essas coisas. Hoje em dia tudo é filmado e gravado. Ele, infelizmente, fez muita coisa que não foi filmada e nem gravada”, disse. 
 
Um outro caso envolvendo o desembargador Siqueira é o do grito que ele deu em uma copeira porque birrou de querer suco de morango mesmo não sendo época da fruta. Os caprichos do desembargador de há muito excederam qualquer razoabilidade, mas, por incrível que pareça, continua no cargo, lépido e fagueiro.
 
Isso diz muito sobre nossa própria cultura atávica escravocrata, do desmando, do abuso de autoridade, da famigerada “carteirada”. Nesses tempos tecnológicos em que vivemos, ao menos muitas dessas cenas são filmadas e chegam ao grande público. Aguardemos o que irá acontecer com o desembargador. Talvez nada, como de praxe. Ou, quem sabe, ele seja premiado com a aposentadoria compulsória. De qualquer forma, como diz o jornalista Lailton Costa, se o ousado guarda civil não for demitido ou preso já estaremos diante de um avanço civilizatório no Brasil.