A vida de Siqueira Campos e a história do Tocantins se entrelaçam, desde que ele chegou a Colinas de Goiás, que hoje é conhecida como Colinas do Tocantins, nos anos 1960, onde sua carreira política teve início. Seu primeiro mandato político na região, então chamada de Norte de Goiás, foi em 1965, quando foi eleito vereador pelo extinto partido Arena. Em 1971, foi eleito deputado federal pela primeira vez, cargo que ocupou por cinco mandatos consecutivos e que lhe proporcionou espaço para retomar no Congresso Nacional o projeto de criação do Estado do Tocantins. A partir desse momento, o tema tornou-se constante em seus discursos políticos.

A articulação política de Siqueira Campos em torno da criação do novo Estado ganhou destaque com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte em 1986. A partir desse momento, Siqueira Campos assumiu o papel de líder político na defesa do projeto de criação do Tocantins, conquistando o apoio de políticos de diversas ideologias representadas na Constituinte. Esse feito é notável, pois o projeto foi aprovado por unanimidade pela Comissão de criação de novos estados.

Com a aprovação da nova Constituição brasileira em 05 de outubro de 1988, o estado do Tocantins, anteriormente conhecido como Norte de Goiás, tornou-se o 24º estado da República Federativa do Brasil. Esse fato consagrou Siqueira Campos como o grande articulador político responsável por essa conquista, que teve um impacto significativo na história geopolítica de Goiás e do Brasil.

Hoje, gostaria de expressar meu carinho e respeito à memória desse homem incansável que lutou pelo então Norte de Goiás e que nunca deixou de enfatizar a necessidade histórica e urgente da criação do Estado do Tocantins. Seu mérito político nessa causa é inquestionável, especialmente quando, como historiadora, analisamos o fenômeno histórico com uma perspectiva mais distanciada e reconhecemos o peso da liderança de Siqueira Campos nas negociações políticas a partir dos anos 1980, quando ele conseguiu articular de forma mais efetiva a criação do estado do Tocantins. Após a aprovação da emenda que criou o estado em 1989, Siqueira Campos foi eleito o primeiro governador, exercendo um mandato de dois anos, e posteriormente retornou ao cargo entre 1995 e 2003.

Vale ressaltar a grandeza política de Siqueira Campos e sua fidelidade na defesa da causa separatista e autonomista do Tocantins. Enquanto outras lideranças políticas, desde a Primeira República até o início dos anos 1950, não se comprometeram com o projeto de criação do novo estado, Siqueira Campos permaneceu fiel e coerente a essa causa ao longo de todos os seus mandatos políticos pela então região do "Norte de Goiás".

A foto acima inserida data de 1956 pertence ao acervo da família da  Sra. Hermione Carvalho, esposa do Dr. Feliciano Machado Braga,  que pude ter acesso em 1999, quando estava finalizando minha tese de doutorado: “O  discurso autonomista do Tocantins”, publicada em 2003 pelas editoras da PUC GO/ UNESP-USP.

Ao trazer esta foto tenho a intenção de estabelecer uma conexão entre dois momentos históricos significativos e definidores do movimento autonomista do Tocantins: 1956 e 1988. O primeiro momento remonta ao esforço pessoal e apaixonado do Dr. Feliciano Machado Braga, então juiz em Porto Nacional. Em sua incansável luta pela criação do novo estado, ele viu suas esperanças de consolidar o Tocantins serem frustradas quando a Assembleia Nacional Constituinte de 1956 deixou escapar a oportunidade histórica que ele tanto almejava. Esse momento foi  historicamente significativo pela mobilização popular, pelo  apoio das lideranças do poder judiciário,  clerical, dos estudantes da CENOG, das mulheres, dos comerciantes  e trabalhadores/as  e outros segmentos sociais.

O acervo fotográfico que me foi disponibilizado pela Sra Hermione Carvalho é uma narrativa viva desse momento icônico na história de  criação do estado do Tocantins, parte desse acervo já foi socializada no livro publicado em 2003, acima referenciado.

O segundo momento, em 1988, marca a concretização desse anseio expresso na manifestação de 1956 em Porto Nacional, com o incansável trabalho de Siqueira Campos no Congresso Nacional durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1986-1988. Esses dois homens, em momentos distintos, compartilharam historicamente  inúmeros sonhos, enfrentaram muitas batalhas e experimentaram uma gama de emoções em torno da criação do Estado do Tocantins.

Siqueira Campos sentiu na pele e na alma as alegrias e as dores da concretização do projeto de criação do Estado do Tocantins, viveu até os 94 anos respirando, articulando e sonhando os seus sonhos para o Tocantins  e de tantas outras gerações   que o antecederam.

Descanse em paz, Siqueira Campos, um verdadeiro guerreiro. Seu nome é uma marca indelével na história do Tocantins.

Dra. Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro

Os símbolos tocantinenses deixados pelo ex-governador

Com profundo pesar e consternação, lamento o falecimento de uma liderança política notável, cuja contribuição foi fundamental para a história e criação do estado do Tocantins. Neste mês de julho de 2023, perdemos uma figura emblemática, cujo legado será eternamente lembrado.

É irônico perceber que, nesse mesmo mês de julho, em 1956, foi instituída a bandeira desse estado, símbolo do movimento separatista e, no mês seguinte, como instrumento de luta, lança-se o jornal O Estado do Tocantins.[1]

Apesar das divergências políticas e ideológicas que tenho, respeito e admiro a trajetória de Siqueira Campos. Como cidadã nascida em Miracema do Norte, a primeira capital do Estado, reconheço ser inegável que sua figura deixou uma marca indelével na história do Tocantins. Ele defendeu ativamente a criação da região e demonstrou uma visão desenvolvimentista incomparável, aliada a uma paixão inabalável pela luta.

Siqueira Campos foi um defensor incansável da bandeira do estado, lutando para assegurar o desenvolvimento da região e a valorização cultural e econômica. Além disso, instituiu a flor do girassol como símbolo do Tocantins, que interpreto como uma representação da vitalidade e do potencial dessa terra.

Seu empenho também foi fundamental para a criação do Parque Estadual do Jalapão, uma importante reserva natural que impulsionou o desenvolvimento turístico e econômico não apenas da região do Parque, mas de todo o estado, atraindo os holofotes da mídia nacional e internacional.[2] A separação e autonomia do Tocantins trouxeram consigo a valorização do patrimônio cultural e a proteção das riquezas ecológicas, como a Ilha do Bananal, o rio Tocantins e o rio Araguaia.

Hoje, deixo minhas mais sinceras condolências pelo falecimento dessa liderança política de importância inestimável para o estado do Tocantins. Lamento a perda de um homem que dedicou sua vida a construir um futuro melhor para a nossa região. Que sua memória seja sempre lembrada na história pela determinação e amor por esta terra.

Neste momento de luto, juntamente com esta nota, compartilho ao final do texto uma foto do acervo particular do Dr. Feliciano Machado Braga, que ilustra a capa do livro da historiadora Dr. Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro[3].

Que essa imagem possa nos lembrar da importância histórica de Siqueira Campos, do seu legado para as gerações presentes e futuras e inspirar a importância da participação cidadã pela busca de autonomia e representatividade.

Que sua alma descanse em paz e que seu exemplo pela paixão e desenvolvimento pelo estado continue a inspirar a todos.

Jéssica Painkow Rosa Cavalcante
Doutora em Direito Público e Mestre em Direitos Humanos.

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[1] Cavalcante, Maria do Espírito Santo Rosa. Tocantins: o movimento separatista do Norte do Goiás, 1821-1988. São Paulo: A. Garibaldi, Editora da UCG, 1999.
[2] Cavalcante, Jéssica Painkow Rosa. Identidade, memória e propriedade quilombola , Porto Alegre: Editora Fi, 2021.
[3] Cavalcante, Maria do Espírito Santo Rosa. O Discurso Autonomista do Tocantins. Goiânia: Editora da UCG, 2003.