THIAGODARIN

Com o devido respeito aos leitores cristãos, particularmente aos católicos, tenho de dizer que o papa é sim um animal político. E a história mesma da Igreja Católica, desde os seus primórdios - a partir do momento em que Jesus edificou sobre Simão Pedro os fundamentos de sua empresa - na célebre passagem do Evangelho segundo Mateus (16,18) - não passa de uma epopeia por prestígio e poder seculares.

Ora, a trajetória histórica dos sumos pontífices, longe de espiritual, ampliou o significado do termo “profano”. O que dizer, por exemplo, do papa Clemente VII? Que tornou relíquia o “sagrado prepúcio” de Jesus? E de Leão X, que vendia indulgências e praticava a simonia, incitando a revolta de ninguém menos que Martinho Lutero, artífice da Reforma Protestante? E de Bento IX, autor de assassinatos, adultérios e violações que lhe renderam a nada honrosa fama de “a desgraça na Cadeira de Pedro”? Por fim, de Estevão VI, que levou a julgamento os restos mortais do papa que o precedeu, no episódio conhecido como o “Sínodo do Cadáver”?

Conversando com um amigo de melancolia sobre os últimos boletins papais, mais precisamente sobre a viagem de Francisco a Cuba e aos Estados Unidos, veio-me à cabeça o papel eminentemente político-diplomático do Bispo de Roma. Se for verdade que o atual papa é carismático e humilde, que passa ao mundo a imagem de amigo dos pobres e dos desvalidos, não é menos veraz que ele também representa a política oficial de um Estado, o Vaticano, e demonstra total interesse em desempenhá-la no complexo tabuleiro do poder global.

Em Relações Internacionais, desde a década de 70 o conceito “détente” (palavra francesa para “distensão”) costuma referir-se, grosso modo, a um estado de pacificação da diplomacia entre nações tidas como hostis. Aplicado ao contexto da Guerra Fria, no qual a tensão verificada entre blocos hegemônicos quase levou o planeta a um desastre de proporções nucleares, o pontificado de Francisco retoma muito de seu sentido. Sua influência confessa no processo de reaproximação entre Washington e Havana - a exemplo da cruzada santa empreendida por Karol Wojtyla, o simpático papa João Paulo II, pelo fim do comunismo - se insere no projeto de empoderamento do catolicismo na Ilha, que vê aumentar gradualmente a presença da Igreja em seu território. Francisco representa, assim, o processo de abertura depois de anos de fechamento doutrinário.

É o breve alívio de um pontificado conservador como o de Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI, inimigo declarado da Teologia da Libertação de Leonardo Boff e de Frei Betto. É uma volta à mensagem de libertação dos povos e de paz mundial. Mas não passa de um breve intervalo. Ao fim dessa diástole num necessário movimento de sístole, o Vaticano - já devidamente estanque o sangramento de seus fiéis a outras religiões - retomará, sereno e impassível, sua campanha de cura do mal da humanidade, de que se proclama a única, e amarga, panaceia.

Com o devido respeito aos leitores cristãos, particularmente aos católicos, tenho de dizer que o papa é sim um animal político. E a história mesma da Igreja Católica, desde os seus primórdios - a partir do momento em que Jesus edificou sobre Simão Pedro os fundamentos de sua empresa - na célebre passagem do Evangelho segundo Mateus (16,18) - não passa de uma epopeia por prestígio e poder seculares.

Ora, a trajetória histórica dos sumos pontífices, longe de espiritual, ampliou o significado do termo “profano”. O que dizer, por exemplo, do papa Clemente VII? Que tornou relíquia o “sagrado prepúcio” de Jesus? E de Leão X, que vendia indulgências e praticava a simonia, incitando a revolta de ninguém menos que Martinho Lutero, artífice da Reforma Protestante? E de Bento IX, autor de assassinatos, adultérios e violações que lhe renderam a nada honrosa fama de “a desgraça na Cadeira de Pedro”? Por fim, de Estevão VI, que levou a julgamento os restos mortais do papa que o precedeu, no episódio conhecido como o “Sínodo do Cadáver”?

Conversando com um amigo de melancolia sobre os últimos boletins papais, mais precisamente sobre a viagem de Francisco a Cuba e aos Estados Unidos, veio-me à cabeça o papel eminentemente político-diplomático do Bispo de Roma. Se for verdade que o atual papa é carismático e humilde, que passa ao mundo a imagem de amigo dos pobres e dos desvalidos, não é menos veraz que ele também representa a política oficial de um Estado, o Vaticano, e demonstra total interesse em desempenhá-la no complexo tabuleiro do poder global.

Em Relações Internacionais, desde a década de 70 o conceito “détente” (palavra francesa para “distensão”) costuma referir-se, grosso modo, a um estado de pacificação da diplomacia entre nações tidas como hostis. Aplicado ao contexto da Guerra Fria, no qual a tensão verificada entre blocos hegemônicos quase levou o planeta a um desastre de proporções nucleares, o pontificado de Francisco retoma muito de seu sentido. Sua influência confessa no processo de reaproximação entre Washington e Havana - a exemplo da cruzada santa empreendida por Karol Wojtyla, o simpático papa João Paulo II, pelo fim do comunismo - se insere no projeto de empoderamento do catolicismo na Ilha, que vê aumentar gradualmente a presença da Igreja em seu território. Francisco representa, assim, o processo de abertura depois de anos de fechamento doutrinário.

É o breve alívio de um pontificado conservador como o de Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI, inimigo declarado da Teologia da Libertação de Leonardo Boff e de Frei Betto. É uma volta à mensagem de libertação dos povos e de paz mundial. Mas não passa de um breve intervalo. Ao fim dessa diástole num necessário movimento de sístole, o Vaticano - já devidamente estanque o sangramento de seus fiéis a outras religiões - retomará, sereno e impassível, sua campanha de cura do mal da humanidade, de que se proclama a única, e amarga, panaceia.

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