Recomendo todo leitor que se interesse em conhecer o que vem a ser boa literatura, a ler a reflexão  materializada em dois ensaios escritos por dois intelectuais que souberam analisar com competência a pergunta que sucinta implicitamente  nesses escritos: o que vem a ser boa literatura? 

As obras em questão são “A Civilização  do Espetáculo” , do escritor peruano Mario Vargas Llosa e  “A boa literatura”, do engenheiro Irapuan Costa Júnior. ( O ensaio de Irapuan se encontra no seu livro “Jogo da Memória”). Comentarei o ensaio  daquele primeiro para ,em seguida, emitir opinião relativa ao ensaio deste último.

A análise instigante da obra de Vargas Llosa   relata o empobrecimento da cultura ante essa sociedade de massas que vivemos nestes tempos globalizados.

Nesse sentido, aponta o autor para  cultura dos “best sellers” está léguas distantes da boa literatura. Vista  sob prisma da venda  livros obras  como “O Alquimista”, do brasileiro  Paulo Coelho, com 65 milhões de livros vendidos ; Harry  Porter, da  inglesa Joanne K. Rowling  e seus 600 milhões de livros ; ou “o Código da Vinci”, do norte-americano  Dan Brown e seus 70 milhões de livros expressam os novos tempos de uma civilização que premia a forma e não o conteúdo. 

Posto isso é oportuna a seguinte indagação:  viveremos em mundo em que a literatura será substituída pela superficialidade das obras de entretenimento?  Eu não acredito nessa hipótese. A verdadeira literatura  lida com coisas mais profundas como a dúvida do ser  ou não ser, expressa na peça “Hamlet” de  Shakespeare; no adultério de Emma em “ Madame Bovary” de Gustave Flaubert ou na dúvida de      Capitu , de Don Casmurro de Machado de Assis traiu Bentinho. À Boa Literatura  mergulha nos segredos da vida e isso nos ajuda a crescer ,a entender a nós mesmos.

O brilhante ensaio de Irapuan Costa Júnior  é outro texto que nos ajuda a entender o que vem ser a boa literatura. De início aponta o autor  para dificuldade de se encontrar uma resposta que atenda a todos. Entretanto aponta  Irapuan para um critério    “até certo ponto aceitável”, qual seja: o da  não perenidade das obras literárias ante as areias do tempo, aliada  a universalidade  dessas obras.

A riqueza do ensaio desse autor, repleto de inúmeras citações ,evidencia sua sofisticada erudição . Concordo com grande parte do que seus escritos revelam sobre o que vem a ser boa literatura.

Entretanto, penso que o critério da imortalidade e da universalidade de obras verdadeiramente  literárias são  condições  plenamente aceitáveis para que possamos considerar uma obra literária como clássicos que, vez por outra, temos que revisitar.

Concluo expondo minha experiência com uma matéria que elaborei, há cerca de 10 anos, para um jornal local sobre o sucesso dos livros do brasileiro Paulo Coelho no mercado europeu.

“Salatiel, você poderia pesquisar na França e Espanha por que Paulo Coelho vende tantos livros por lá?”, propôs-me o editor do jornal. Aceitei o desafio.

Logo que cheguei a Madri e Paris, procurei visitar grandes livrarias. Em Madri, muitos atribuíram a competência de comunicação do autor. Isso pouco me acrescentou, pois eu já consciente de quanto as habilidades de comunicação do autor. Em Paris, após visitar cerca de 10 livrarias no bairro da intelectualidade francesa, O Quartier Latin (Bairro Latino), entrei, exausto e meio desanimado num bistrô para degustar um vinho. Até aquele momento não tinha encontrado uma resposta para a razão do sucesso de Paulo Coelho em terras europeias.

Uma senhora espanhola da cidade de Santiago de Compostela  sentada na mesa ao lado puxou conversa comigo.
-O senhor é brasileiro?
-Sim.
-Conheço bem seu país. O Brasil é um país continente. Em que estado o senhor vive? Indagou ela.
-Sou de Goiás. Moro capital do estado, Goiânia, a 200 quilômetros da Capital Federal, repliquei .
-Conheço Brasília, mas não conheço Goiânia. O senhor está numa viagem turística?
- Sim. Mas, no momento, estou também a trabalho. Procuro descobrir a razão por que um escritor brasileiro chamado Paulo Coelho vende tanto na Europa. Até agora não consegui encontrar respostas consistentes para elaborar uma reportagem.
-Acho que posso lhe ajudar, me disse a senhora Mercedez Iglesias, este é o nome dela.
-Você já ouviu falar do caminho de Santiago de Compostela?
-Sim. Conheço superficialmente a história.
-Esse caminho é muito místico aqui na Europa. Existe desde o século nove para venerar as relíquias do apostolo Santiago Maior. Acredita-se que sepulcro dele se encontra na catedral de Santiago de Compostela. Paulo Coelho fez a pé esse percurso e escreveu o livro “Diário de um Mago”. Esse livro abriu as portas para Europa.
-Eureca! A senhora me deu  a resposta que eu precisava. Agradeci e fui para hotel escrever a matéria .

Na verdade Paulo Coelho é um comunicador de talento. Seus livros se encontram inseridos no contexto da civilização do espetáculo onde impera o poder da mídia feita sob medida para vender, informar, entreter.

A meu juízo, esse autor  produz uma sofisticada autoajuda sem investigar os subterrâneos da complexidade humana coisa que só a boa literatura sabe construir.

Por uma dessas coincidência do destino, Paulo Coelho e o  ex-ministro da cultura da França, o filósofo Luc Ferry, lançavam seu novo livro no mesmo que discretamente se encontrava exposto em todas as livrarias do Quartier Latin.O  interessante notar é a ampla divulgação que teve a nova obra de Paulo Coelho. Nos ônibus, na mídia falada escrita, nas mídias sociais só se  falava em Paris do novo livro de Paulo Coelho.Enquanto isso, o livro de um dos maiores filósofos da França seguia o curso normal de divulgação.

Creio que aí esteja a diferença do que seja uma obra feita para atender o momento e outra resultante da consistência de um pensador profundo.

E aqui volto a sabedoria dos escritos de Mario Vargas Llosa  e sua poderosa reflexão sobre este mundo transitório e raso da sociedade do espetáculo. O prazo de validade dos Daw Bronw e Paulos Coelhos tem prazo de validade. Já escritores de verdade como Vargas Llosa, Marcel Proust, Sheakespeare,Miguel de Cervantes, estes serão sempre eternos.

Salatiel Soares Correia
é engenheiro, administrador de empresas, mestre em energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas  Energia ,Economia, Literatura e Desenvolvimento Regional.