Luiz Armando Costa
 
Conta a história que Perseu nasceu quando Júpiter visitou a virgem Dânaei como uma chuva de ouro e a deixou grávida. O deus Buda nasceu de uma abertura no flanco de sua mãe e Jesus Cristo de Maria, que estava prometida a José e antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. 
 
O presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, arcebispo Dom Walmor (é necessário realçar o nome), deu de entender ontem como crime hediondo o aborto numa criança de dez anos vítima de estupro. Aquela do ES transferida para PE.
 
E não o contrário, invertendo o papel de vítima. Ainda que o aborto, no caso de estupro, seja uma previsão legal. Em crianças, mais ainda repugnante. Ou seja, a igreja não concordaria com o estado de direito que a mantém no país laico. Sem pagar impostos.
 
No Tocantins (dados da Secretaria de Segurança Pública) pelo menos uma pessoa vulnerável é estuprada a cada 24 horas. Só no primeiro trimestre de 2018 (último dado disponível) foram 105 estupros.
 
A garotinha, quase uma bebezinha, era estuprada havia quatro anos. Confronto inevitável: narrativas e realidade. E que as religiões, como ditaduras benevolentes e inalteráveis que são, o negam. Assim como a política dela oriunda e que dela também faz uso.
 
Em Porto Nacional ficou conhecido na década de 70 o episódio de uma briga entre uma enfermeira e um motorista, batizados e crismados na igreja católica, apostólica romana, defensores do santo padre e da nova e eterna aliança. A enfermeira teria flagrado o marido motorista com a doméstica da casa. 
 
É história que já faz parte da memória portuense, ainda que tenha mais veracidade do que Júpiter visitando uma virgem para engravidá-la do rei Perseu. O último rei da dinastia antigônida da Macedônia, um reinado após a morte de Alexandre, o Grande.
 
Mil pedidos de perdões depois, voltaram, a enfermeira e o motorista, à calmaria, só interrompida quando a enfermeira o flagrou, semanas depois, novamente: desta feita com uma cadela. 
 
E aí o motorista não aguentou: se é com mulher, você não deixa, se é com a cachorra, também não!!! A coitadinha não vai falar para ninguém!! Retrucava. Uma cadelinha dentro de casa, para ele, seria menor que com uma jumenta fora. 
 
A esposa desta vez não se fez de rogada. Entre a “cãozinha” e ela, era muito mais ela. E saiu de casa. Não se sabe que fim teve o animalzinho. Mas o outro, continua aí vivinho da silva. Talvez correndo atrás de outros animais como ele.
 
O estupro da garotinha que veio a público no final de semana se transformou em elemento político para outros animais nas redes sociais. Ainda que instagran, facebook, twitter e google os tenham colocado (por decisão judicial) fora das redes, subtraem formas de se manterem conectados e à mesma animal motivação. Trocam a amante pela cadela e acham que está tudo normal.
 
Os dias anunciam que vivemos uma era de pensamentos utilitaristas. Ainda que não fundado no antropocentrismo. E é melhor que assim o seja, porque o objetivo da atividade moral e política é a maximização da soma da felicidade e não apenas da liberdade. Afinal, o direito deve proteger os interesses seja qual for o detentor. Se animal irracional ou racional.
 
Como paradoxalmente, a capacidade de sentir prazer ou dor é que faz toda a dignidade de um ser e o constitui em sentido amplo, tem-se que a corrente política que expõe a garotinha estuprada tenha como interesse justamente apresentá-los, o estupro e a garotinha, como uma antípoda indesejável e contrária à sua tábua de valores. 
 
De outro modo, o estupro seria efeito cuja causa fosse a própria criança, onde estaria o “defeito”. Como máquinas que já vem defeituosas de fábrica, bem retratado no O Expresso da Meia Noite (Alan Parker/1.978).
 
E explícita na indulgência plenária do bispo da CNBB ao estuprador, com a condenação à garotinha (e aos médicos) poupada de dar luz à vida a um fruto resultado de sua dor. 
 
Assim, a CNBB, no episódio, teria idêntico vetor dos conservadores radicais que tentaram invadir o hospital onde aquela criança receberia sua redenção: o direito à dignidade e ao próprio corpo. Uma CNBB que já teve em Dom Pedro Casaldáliga, referenciais. Como o papa Pio XII no século XX, temos agora Sara Winter (e tudo que representa) pensando como a igreja.