Colombey-les-deux-Eglises é um pequeno povoado localizado no interior da França. A representação política dessa pequena localidade rural não condizia com a importância da autoridade que lá fora visitar o pequeno cemitério para referenciar a morte de um cidadão francês que fez do ideário de uma França grande a razão do seu viver. A ilustre personalidade que esteve lá  prestando homenagens à memória do falecido foi o presidente Emmanuel Macron e sua esposa Brigitte Macron.

Macron, visivelmente emocionado, entrou mudo e saiu calado. Preferiu não falar com a imprensa, mas escreveu no seu perfil do Twitter uma homenagem àquele senhor que faleceu há 50 anos, um dia antes de completar 80 anos. Sim, passados mais de meio século de seu falecimento, a memória do general Charles de Gaulle, o homenageado, continua viva no coração dos franceses.

Confesso que não sei dizer se a memória dele suplanta a de outro ícone na história da França, o chamado Napoleão Bonaparte. Ambos tiveram o mesmo ideário de uma grande França para os franceses. Seguiram caminhos distintos para obter o mesmo fim. Napoleão nos campos de batalha; Charles de Gaulle, embora tenha como militar vivenciado os horrores das duas grandes guerras, foi um grande líder que jamais se vergou às tentativas dos Estados Unidos em controlar a Europa do pós-guerra. A meu juízo, Napoleão deixou a França menor do que quando a pegou; Charles de Gaulle entregou uma nação maior do que recebera. 

Coragem e caráter inseridos em uma estratégia de vontade evidenciam atos de ousadia do líder francês e que se materializam em ações da seguinte ordem: retirar a França da OTAN contrariando os Estados Unidos, discordar e criticar ícones da política como Roosevelt e Jonh Keneth – para isso, sem dúvida, era necessário algo que o líder francês tinha de sobra: confiança e caráter. É bem verdade que o triunvirato que comandou a Segunda Guerra Mundial tinha uma abrangência que atingia praticamente todo o mundo ocidental, e a liderança de Gaulle, por sua vez, era restrita, pois atingia a França e suas colônias.

Entretanto, em termos de estatura, o presidente da França figura exatamente em um patamar mais elevado que o de Stalin, ombreando com Churchill e Roosevelt. O francês construiu instituições sólidas que modernizaram a já desenvolvida França. Volto a mencionar uma verdade no relatório elaborado pelo sábio Henry Kissinger para o presidente Nixon sobre o estadista francês: “De Gaulle fez da França uma grande potência”. 

Quem conhece Paris sabe que em frente à faculdade de Direito da Universidade de Sorbonne encontra-se um suntuoso edifício. Chama atenção a grande inscrição cravada na parte superior do prédio: “Os Grandes Homens a Pátria Reconhece”. E lá estão os restos mortais de escritores como Voltaire e Victor Hugo, o cientista Louis Braille, este inventor do código de Braille. Não sei a razão por que de Gaulle tenha, em vida, mostrado interesse em ser enterrado no cemitério daquele pequeno povoado. Percebi que a razão era o amor de um pai por filha, já falecida, que tinha a Síndrome de Down. Anne de Gaulle era o nome dela. Seu pai, o general Charles de Gaulle, desde a morte de Anne, tinha o hábito de carregar a sua fotografia onde fosse. Ser enterrado naquele pequeno cemitério junto da filha foi um desejo do velho general que tantos bons serviços prestou a seu país. Por trás daqueles dois de altura,(rever) por trás de tanta coragem, de tanto caráter, por trás de uma certa frieza, por trás, enfim, de tanto poder, existia um coração que amava uma filha e uma mãe chamada França. Ninguém merece mais essa frase escrita no panteão do que o general Charles de Gaulle: “Os grandes homens a pátria reconhece”.

Salatiel Soares Correia
é engenheiro, Bacharel em administração de empresas, Mestre em energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas política, energia, literatura e desenvolvimento regional.