Núcleo de Estudos e Assuntos Indígenas (NEAI) – UFT
Prof. Dr. André Demarchi
Prof. Dr. Héber R. Gracio
Profa. Dra. Layanna Giordana Bernardo Lima
Profa. Dra. Ligia Raquel Soares
Prof. Dr. Odair Giraldin
Prof. Dr. Odilon Morais
Profa. Dra. Reijane Pinheiro da Silva
 
A memória das doenças e epidemias que atingiram os povos indígenas brasileiros, ao longo dos cinco séculos de violência colonizadora, dizimando milhares de indivíduos, produziu traumas coletivos entre esses povos, ressaltando entre eles o caráter violento e destruidor do contato com a sociedade colonial, imperial e nacional. Os “brancos”, como muitos se referem, trazem as epidemias e estas são resultado, segundo Kopenawa (2015), de ações que desrespeitam os espíritos ancestrais, provocando desequilíbrio na relação entre os seres vivos.
 
Entre as várias formas de genocídio (eliminação física de um povo, ou grupo) está a omissão de quem tem o dever constitucional de agir para evitar isso e se nega a fazê-lo. É isto que estamos vendo acontecer nesse momento. A COVID-19 chegou às terras indígenas e seu impacto tem sido muito superior ao que ocorre nas áreas urbanas do nosso país. São comuns as explicações que apontam uma vulnerabilidade biológica e baixa imunidade desses povos, o que justificaria o maior número de mortes entre eles. Essa explicação não cabe no caso em questão, uma vez que nenhum de nós, não-indígenas, tem imunidade contra esse novo coronavírus que provoca a COVID-19. As causas, portanto, estão diretamente relacionadas à ineficiência do estado brasileiro em agir na emergência que se apresentou, através das instituições responsáveis: Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Secretaria de Saúde Indígena (SESAI). Entendemos que essa omissão, aparentemente intencional, está associada ao ódio aos povos indígenas, tantas vezes demonstrado pelo governo federal, através de manifestações racistas, que questionam o direito indígena às suas terras, postura que incentiva a mineração ilegal, extração ilegal de madeiras, caça e pesca ilegais e o uso das terras indígenas pelo agronegócio. Todo esse contexto de ameaças às vidas indígenas, que se acentuou a partir de 2018, aponta para um genocídio iminente.
 
Associado a todas essas questões, ainda vemos muitos dos indígenas que moram em espaços urbanos serem usurpados de suas identidades, pois além de não serem contabilizados nas estatísticas oficiais de seus povos, por não serem reconhecidos como indígenas por morarem nas cidades próximas as suas terras, também tem negado atendimento médico pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e não são contabilizados dentre os casos confirmados de contaminados pelo novo coronavírus. Assim, voltamos ao velho preconceito já estabelecido de que o indígena para ser reconhecido como tal deve morar em sua terra demarcada.
 
Sem o apoio das instituições, alguns povos do Tocantins criaram barreiras nas aldeias, em guaritas mantidas alertas 24 horas por dia, para impedir a entrada de pessoas das cidades no entorno das terras, a exemplo dos povos Krahô, Apinajé e Krahô-Kanela. O resultado tem sido, até agora, a ausência de casos da COVID-19 entre esses três povos. Entre os Javaé da Ilha do Bananal, as já conhecidas dificuldades de controlar o acesso de pessoas à Ilha fizeram com que mais de 80 indígenas desse povo fossem contaminados sobretudo nas aldeias São João e Canuanã. Entre o povo Xerente, alguns casos já os preocupam, uma vez que a característica das aldeias e da vida comunitária, dificulta muito o isolamento social e os métodos de tratamento da medicina ocidental acabam sendo ainda outra forma de violência.
 
Diante desse cenário, nos perguntamos onde está o Ministério Público Federal a quem caberia cobrar ações e denunciar a política genocida que está no horizonte do governo federal nesse momento?