Após o governo anunciar uma aparente contornada no teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400 até o fim de 2022, o mercado passou projetar forte aumento na taxa de juros para segurar a inflação, o que poderia travar o crescimento econômico.

A repercussão foi intensa. E é compreensível. O populismo é um filme bem conhecido no Brasil. E não deixa saudade. Mas será que o anúncio do governo não mereceria uma análise menos visceral e mais racional?

Foi o que fez o ex-presidente Michel Temer em recente artigo no jornal Folha de S. Paulo. Com a autoridade de quem promoveu a emenda constitucional que estabeleceu o teto de gastos públicos, Temer analisou, com serenidade e realismo, o contexto econômico e social que o País vivencia.

“Quero registrar que o teto fornece credibilidade fiscal interna e internacional. Daí porque não se pode pensar em alterá-lo ou, se quiserem, ‘furá-lo’ ao fundamento de que é preciso atender aos vulneráveis”.

Mais adiante, com a experiência de quem sabe o que é administrar com a dura limitação do cobertor permanentemente curto, afirmou: “A emenda prevê a hipótese de calamidade pública. E aqui vem a pergunta: vive-se ou não a hipótese dessa calamidade em face da angustiante pobreza existente no país, agravada pela pandemia e ainda subsistente”? Afinal, temos mais de 20 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. O que fazer? Virar as costas e fazer de conta que o drama não existe?

Temer, criador e defensor do teto de gastos, lembra que um dos princípios fundamentais da nossa Constituição é a “erradicação da pobreza”. E conclui com uma dose de realismo: “Sei que estou levando essa interpretação às últimas consequências, mas ela tem duas vertentes sistêmicas: de um lado, reconhece que é ‘calamitosa’ a realidade do pauperismo brasileiro; de outro, aplica regra constitucional que não elimina o teto de gastos públicos. Portanto, atende aos vulneráveis e, ao mesmo tempo, mantém íntegro o dispositivo constitucional assegurador do teto. Somente assim demonstraremos ao mercado interno e internacional a nossa seriedade fiscal e a nossa preocupação com a pobreza”, concluiu o ex-presidente.

O tema não pode ser tratado em clima de Fla X Flu. É preciso aprofundar e, sobretudo, contextualizar. Olhar para o Brasil real, um país pobre, fustigado pela pandemia e suas imensas consequências sanitárias, econômicas e sociais. Muita gente perdeu o emprego. Muitos negócios, sobretudo médios e pequenos, foram descontinuados.

O quadro, assustador, uma bomba relógio de graves consequências sociais e humanitárias, não se resolve com posições fechadas ou recorrendo à síndrome de transferência de responsabilidades. Todos são responsáveis: Executivo, Legislativo e Judiciário. A voracidade da máquina estatal não está apenas no Executivo. Ela cresce também, forte e destemperada, no Legislativo e no Judiciário.

E nós, jornalistas e formadores de opinião, temos uma parcela importante de responsabilidade. Chegou para todos, sem exceção, a hora da análise serena e propositiva. É preciso criar um grande debate a respeito do tamanho do Estado.

Defendo, com entusiasmo, o conceito de jornalismo propositivo: aquele que não fica na denúncia, mas avança no terreno das soluções, aposta na análise aprofundada, no debate plural e no diálogo civilizado.

Precisamos olhar para as nossas coberturas e nos questionarmos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores.  Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo.