Embora existam nomes de expressão no contexto internacional, a literatura portuguesa é pouco reconhecida quando o assunto é ganhar o prêmio Nobel. Nos 122 anos de existência dessa premiação, o escritor José Saramago foi o único português a receber tamanha honraria. Convenhamos: é bem pouco para um país que tem o privilégio de ter em sua história da literatura autores como Luís de Camões, Fernando Pessoa e Eça de Queiroz.

Longe de ser unanimidade em Portugal, o autor de “Levantando do Chão” recebeu críticas em vida e até mesmo depois de sua morte. Grande parte da crítica literária portuguesa aponta a escritora Augustina Bessa Luís e Antônio Lobo Antunes, o médico psiquiatra que se tornou escritor, como autores de maior expressão. Após o falecimento de Augustina Bessa Luís, Lobo Antunes é o único escritor português com reais chances de ganhar o prêmio Nobel de literatura.

Em uma matéria de autoria do excelente Euler Belém (publicada pelo jornal Opção, em 13 de outubro de 2018), Lobo Antunes faz um duplo ataque contra o prêmio Nobel e o único ganhador em língua portuguesa dessa honraria. Antunes não só desprezou o prêmio Nobel como atacou duramente o escritor José Saramago. A respeito desse assunto, a metralhadora do autor de “Os Cus de Judas” disparou: “estou farto de ouvir falar do Nobel, é apenas um prêmio literário em que últimas pessoas que têm ganho não me agradam.” Daí alguém pode pensar: “Dor de cotovelo de quem ainda não foi agraciado pela academia sueca que julga o merecedor de tamanha honraria?”

Depois de ler Lobo Antunes e desistir de entender a confusão da literatura de Saramago, afirmo, com toda convicção: Lobo Antunes é um escritor de maior peso na literatura mundial do que José Saramago. Tanto Saramago quanto Lobo Antunes são autores de difícil leitura. Entretanto, existe uma grande diferença entre eles.

O esforço que o leitor fará para entender o que o autor de “História do Cerco de Lisboa” pouco lhe acrescentará. No entanto, se esse leitor decidir enfrentar os labirintos da narrativa de Lobo Antunes, ele será amplamente recompensado pela capacidade que o autor tem de, através de uma linguagem de intertextualidade com grandes obras da literatura mundial, ampliar o leque cultural. Dito de outro modo: Lobo Antunes narra uma situação, de repente, ele insere na narrativa clássicos da literatura mundial para se fazer entender.

Vejamos o seguinte exemplo: “[...] nunca havia nenhuma carta para ele: sentia-se como o Coronel de García Márquez, habilitado pela solidão sem remédio e pelos cogumelos fosforescentes das tripas, aguardando notícias que não chagavam, que não chegariam jamais.” O autor recorreu a uma situação de espera que ocorre em seu livro “Memórias de Elefante”. Faz uso de passagens de outros grandes clássicos, criando, assim, uma narrativa absolutamente inovadora. Para fazer isso, somente os escritores de vasta cultura serão bem-sucedidos. As partes se encaixam no todo, desse modo, criando uma unidade. O que ganha o leitor com o entendimento dessa aparente dificuldade? Eis a resposta: erudição, profundidade.

Concluindo, afirmo, com convicção, que vale a pena enfrentar a narrativa de Lobo Antunes. Ele é um autor mais culto do que José Saramago. O médico psiquiatra inativo que deixou a profissão para escrever em tempo integral, Lobo Antunes, é, sem dúvida, o mais importante escritor vivo em língua portuguesa. Se ele não ganhar o prêmio Nobel, pouco importa, fará companhia a outros escritores cujas obras são maiores que o prêmio. O argentino Jorge Luís Borges, o panamenho Carlos Fuentes e o belgo-argentino Júlio Cortázar não ganharem o Nobel, e isso não afetou a condição de alçarem ao patamar de grandes escritores. O prêmio é menor do que as obras-primas geradas nas mentes desses escribas repletos de talento.

Encerro com uma provocação ao leitor: o Nobel Bob Dylan mereceu a premiação? Será que ele é maior que o escritor norte-americano Phillip Roth, que morreu sem o Nobel? O próprio Bob Dylan, um cantor de inegável talento, mas um escritor medíocre, reconheceu a injustiça, tanto é que mandou um representante receber o seu prêmio em Estocolmo.

Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Administrador de empresas, Mestre em energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados às áreas de Energia e Desenvolvimento Regional.

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