Há mais de vinte anos, revisito Paris. A cidade luz aguça minha imaginação desde a adolescência, quando assistia a filmes e documentários sobre a cidade de Voltaire. À medida que fui crescendo, comecei a ganhar meu próprio dinheiro, o que muito me serviu para realizar o sonho de um dia conhecer a cidade que Proust descrevia nos tempos dos grandes saraus, no seu fabuloso romance “Em Busca do Tempo Perdido”.

Realizei esse sonho em meados dos anos 80 do século passado. Naquela época, arranjei-me com meu domínio do inglês. Embora não aprecie conversar no idioma de Shakespeare, a grande maioria da população parisiense conhece bem o idioma.

A primeira vez que viajei para a cidade de Victor Hugo tratei de visitar pontos típicos de um turista deslumbrado, que chega em um lugar com certas imagens guardadas no cérebro. 

Sendo eu um marinheiro de primeira viagem, fui logo conhecendo locais badalados para turistas que os franceses não dão muito bola. “Não subo na Torre Eiffel há quase 20 anos”, respondeu-me o gerente do hotel no qual me hospedei. “Por que o senhor não se interessa em ir lá?”, indaguei. “Porque a Torre está lá, e eu vou continuar morando aqui”, disse ele e acrescentou: “Os parisienses não gostam de ir a lugares que têm muitos turistas. Eles se sentem com a identidade arranhada”, completou o gestor. Era tarde demais para eu mudar meu itinerário, pois, no dia seguinte, estava de passagem marcada para retornar ao Brasil. Voltei para meu país com aquela necessidade de que  teria de revisitar a cidade luz.

Passados dois anos, lá estava eu revisitando Paris, empenhado em conhecer a Paris dos parisienses. Naquela época, aproveitei e tratei de gastar o francês que já dominava depois de frequentar os cursos da Aliança Francesa. Voltei a hospedar-me no mesmo hotel no qual já tinha estado. Lá estava Patrick, aquele gerente que me havia dito, há dois anos, que eu não conhecia a verdadeira Paris dos parisienses.

“Bonjour, Patrick”, cumprimentei, em francês, o funcionário do hotel. Naquele momento, senti uma satisfação danada pelo domínio que eu já tinha do idioma de Vitor Hugo.!

– Quanto tempo o senhor vai ficar conosco desta vez? – indagou-me Patrick.
– Dez dias.
– Depois de amanhã é minha folga, convido o senhor para um encontro de família que teremos na casa do meu pai. O senhor terá a oportunidade de conhecer um pouco do estilo de vida de uma família francesa da classe média.

Topei na hora.

Dois dias depois, lá estava eu em uma festa de encontro de família. Uma festa tipicamente francesa. E em festas típicas da classe média tem de ter um caraoquê.

Em um ambiente assim, aquela família podia se soltar. Fiquei espantado com a postura do Patrick em um meio no qual ele podia ser ele mesmo. Ali, o homem cantava, dançava, contava piada. E, lógico: tudo regado com bons vinhos, acompanhados dos mais variados tipos de queijos, carnes e outras guloseimas próprias da França. Voltei para o hotel satisfeito com o que pude vivenciar!

No tempo que me restava, tratei de explorar lugares que me possibilitassem conhecer a outra França. Passados três anos do ocorrido, retornei a Paris, desta vez, acompanhado de minha esposa. De comum acordo, recém-casados, revisitei a cidade que tanto fascínio exerce sobre mim. No entanto isso é assunto para um novo artigo... Aguardem!

Salatiel Soares Correia
é engenheiro, administrador de empresas, Mestre em Energia pela Unicamp. É autor de oito livros relativos aos temas energia, política, desenvolvimento regional e literatura.