Eder Lucinda
é Economista e professor de Economia.
E-mail: ederlucinda@hotmail.com 

Atualmente, com câmeras por toda parte, redes sociais, propaganda direcionada por algoritmos, admiramos a capacidade premonitória de “1984”, clássica obra de George Orwel, escrita há mais de 70 anos! A teletela presente nesse romance distópico de Orwell antecipou por décadas a atmosfera de uma vida sem privacidade, devassada pelo dispositivo tecnológico que tudo via, espionava. Mas, convenhamos: se no âmbito da vida privada o excesso de exposição pode acarretar inconvenientes e riscos, por outro lado, a evolução tecnológica, combinada com o avanço da legislação democrática, propicia o escrutínio dos governos, da gestão pública, de modo especial do uso do dinheiro público. 

Naquele pesadelo de um Estado totalitário vivido pelo personagem Winston Smith, a informação era produzida, manipulada e destruída para garantir o domínio absoluto sobre corpos e mentes, intenção estampada no slogan “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”. Esse tipo de controle social, exercido pelos governantes em desfavor da sociedade, quando experimentado no mundo real, produziu horrores, como bem registra a história. 

Já no contexto de um Estado Democrático de Direito, a tecnologia da informação pode ser empregada para inibir o autoritarismo e possibilitar a vigilância da sociedade sobre os governos. 

Experimentamos assim uma reconfiguração do controle social: enquanto na envolvente ficção de Orwell, a teletela era utilizada pelo governo para manter a população sob controle, hoje, ferramentas digitais podem (e devem) ser apropriadas pelos cidadãos para controlar os governos. Com a popularização de dispositivos eletrônicos conectados à internet, o gasto público, por exemplo, está literalmente na palma da mão, sob os olhos da sociedade em uma teletela redirecionada pela democracia.

Nesse aspecto, no Brasil, sem escamotear limitações ainda existentes, é preciso reconhecer e valorizar os avanços conquistados sob a luz da Constituição de 1988, inclusive para prevenir retrocessos. Sem a pretensão de ser exaustivo, destaco a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a Lei Complementar nº 131/2009 (Lei da Transparência), a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e a Lei 13.460/2017 (Código de Defesa do Usuário do Serviço Público). Dado o respaldo legal, os atuais sítios eletrônicos facilitam tanto o acesso à informação pública quanto a interação frequente entre governados e governantes, o que pode ocorrer por meio de pedidos de acesso à informação, sugestões, denúncias etc. Em termos práticos, dentre outras possibilidades, atualmente cumprem esse papel os portais de transparência e as ouvidorias, muitas delas – federais, estaduais e municipais – agora reunidas na plataforma FalaBR.

Em que pesem esses avanços normativos e tecnológicos, consciência política e atitude são fundamentais para tornar efetivos os potenciais benefícios. No dia a dia, aqui e ali, onde a vida acontece, cabe a cada um de nós defender a democracia, bem como todos os direitos fundadores da cidadania – civis, políticos e sociais –, que nos distanciam do pesadelo de Winston Smith e nos aproximam de uma gestão pública mais racional e ética. Nos aproximam dos orçamentos públicos e nos impõem a responsabilidade de contribuir para que o gasto do dinheiro público amplie o bem-estar e as capacidades do nosso povo.