José Lauro Martins
Doutor, professor adjunto do Curso de Jornalismo (UFT) do Campus de Palmas

A base do modelo do ensino tradicional predominante é o que conhecemos muito bem: um professor que fala para uma turma com dezenas de alunos. Chamamos de modelo fordista, vem lá da Revolução Industrial e parte-se do princípio que ensinando a mesma coisa para o grupo de estudantes todos aprenderiam a mesma coisa ao mesmo tempo. É o princípio da igualdade, mas convido o leitor a pensar comigo: somos todos iguais? Uma mãe ou um pai consegue tratar os filhos todos iguais?  Imagine o filho de 5 anos sendo tratado como o filho ou a filha de 15 anos? Não vai dar certo, não é? Então tratar as pessoas de forma igual não é uma boa estratégia. Melhor seria tratar com equidade, ou seja, as pessoas diferentes são tratadas de forma diferente. Quem tem mais necessidade precisa de maior empenho dos pais, por exemplo: um bebê demanda muito mais dos pais do que uma criança já com seus 10 anos de idade.
 
Sabemos que precisamos tratar as pessoas diferentes de forma diferente e a pandemia tem mostrado o quanto somos diferentes!. Mesmo dos chamados grupos de risco, uns pegaram vírus e outros não foram contaminados. O mesmo acontece com pessoas em todas as idades, nem todos os que são contaminados pelo novo coronavírus desenvolvem a doença Covid-19 porque somos diferentes também na estrutura biológica.
 
Do ponto de vista psicológico somos ainda mais diferentes, mesmo as pessoas passam por experiências semelhantes podem ter resultados diferentes. Cada um tem a sua capacidade singular de reflexão e aprendizado. Cada um interpreta ao seu modo o mundo ao seu redor.  Além disso, há também as condições sociais. Todos os indivíduos de uma família nuclear podem ter uma condição social muito parecida, embora uns possam ter necessidades diferentes. Uma criança tem demandas diferentes de um idoso ainda que viva na mesma casa. Ou seja, todos somos diferentes de alguma maneira.
 
Vimos as dificuldades das universidades ou das secretarias de educação que, tentando amenizar o impacto da pandemia no ano escolar, tentaram de forma abrupta colocar todos os conteúdos na internet. Era esperado que iria dar errado, pois as condições sociais dessas famílias são bem diferentes. Não dá para esperar que uma demanda tão significativa desse certo. Simples assim: não basta ter acesso a Internet para fazer um trabalho escolar de várias páginas, digitado com os polegares numa tela minúscula para que a escola esteja cumprindo o seu papel.   Precisa de um computador, acesso a internet suficiente para conferência ao vivo e as condições de estudos dentro de casa. 
 
Podemos aprender mais com as lições da pandemia e melhorar nossas escolas.  Precisamos estruturar a formação, seja na educação básica ou na graduação, para que as pessoas sejam atendidas de forma individual. É possível organizar o ensino de forma adaptativa em que os cursos se adaptam aos estudantes e não os estudantes aos cursos.  Isso não é sonho, é racionalidade na educação, pois cada criança ou jovem tem um tempo particular de aprendizagem e a instituição precisa atendê-lo de forma diferente. 
 
Veja que o mercado está cada vez mais oferecendo opções para atendimento individual, desde um carro personalizado de fábrica ao atendimento comercial. Não é um contrassenso observar que as ações do mercado procurem atender as pessoas de forma personalizada e na educação insistem na organização por turmas e disciplinas? Está cada vez mais claro que devemos organizar o currículo de uma forma adaptativa para atender às pessoas de forma personalizada. Isso não é novidade, há diversas experiências dessa natureza pelo mundo afora. 
 
Não há uma só maneira de organizar o ensino: escola-disciplinas-turmas. Podemos organizar os cursos de forma em que os objetivos sejam muito claros para os aprendentes, o que não é comum na educação tradicional.  Os cursos precisam se organizar de forma que os objetivos de aprendizagem sejam claros e seguido de forma muito firme. Não precisa de nota, tudo que deva aprender deve ser exigido. Deve ser muito bem definido nos tópicos para a aprendizagem e não é preciso organizar por carga horária, pois essa estratégia não ajuda na gestão da aprendizagem. 
 
É preciso entender que os tempos são outros e nossos alunos não são bons ouvintes como éramos na nossa infância. Essas crianças não aprenderam a ficar horas ouvindo as histórias dos avós. Não vale a pena dar aulas às paredes em salas de aula que muito se fala e pouco se ouve. A organização do currículo por objetivos, com rotas de aprendizagem flexíveis e mediadas por educadores vão nortear o processo.  Todos os conteúdos teóricos podem ser disponibilizados em diversos suportes e linguagens, a sala de aula continua necessário para debates e não para divulgação de conteúdos. Podemos organizar em vídeo aulas, textos, animação, laboratórios virtuais, podcasts de forma que o estudante possa conectar quantas vezes precisar para entender aquele conteúdo. 
 
Curso flexíveis no tempo, ou seja, os estudantes aprendem ao seu tempo se bem guiado por professores que entendem essa metodologia. Os cursos formais podem atender de forma flexível, mas teremos que começar por um aspecto muito caro na gestão acadêmica: o contrato de trabalho dos professores NÃO pode ser vinculado à carga horária de ensino. Continuamos docentes para organizando conteúdos, moderando os processos de aprendizagens e para pesquisar sobre a prática pedagógica. 
 
São os professores que vão orientar o processo de aprendizagem e vão ajudar os estudantes a aprender a aprender de forma continuada. Não quer dizer que sejam todos os cursos a distância, ao contrário, as instituições podem ter mais de 50% do conteúdo estão disponíveis em redes virtuais. Porém, parte dos conteúdos podem ser organizados apenas para serem estudos colaborativos; não basta apenas um vídeo aula ou uma leitura e responder um quiz em uma plataforma virtual. O estudante precisa estar junto com os demais em projetos de estudos colaborativos na escola. 
 
Vai depender do curso, da idade, dos recursos que ele dispõe para estudar na sua residência a quantidade de tempo que o estudante precisa estar na escola.  Talvez em determinado período da formação seja preciso ir de todos os dias para escola. Ou estudante não tem o suporte necessário na família, a escola precisa oferecer o espaço de estudo e os equipamentos necessário para que ele possa chegar pela manhã e sair à noite se for caso. Se tem a infraestrutura necessária e conseguem fazer uma boa gestão da aprendizagem, o atendimento remoto dos professores pode ser suficiente. Naquilo em que o estudo individual ou em grupos de aprendizagem organizadas pela escola por meio das redes virtuais for suficiente, porque não oferecer? 
 
Nós aprendemos com a pandemia que dá, sim, para organizar grande parte das atividades do nosso dia-dia pelas redes virtuais. Existem experiências e bons estudos que nos ajudam a modificar nossa prática de forma profissional. Sabemos que não basta boa vontade. É preciso conhecimento sistematizado sobre o uso das tecnologias digitais e das metodologias para não trabalhar às cegas. No mundo tudo muda, a educação também precisa mudar e virarmos a página para o século XXI. 
 
Para encerrar essa reflexão vou contar o passo a passo da escrita deste artigo: Estava conversando sobre aprendizagem na educação infantil com uma aluna por meio de um aplicativo de mensagens, em seguida acionei o bloco de anotações na tela do computador e criei uma lista de tópicos para um futuro artigo. Resolvi escrever para este Jornal, peguei o smartphone e por meio de um aplicativo de transcrição de áudio, falei por 15 minutos. O aplicativo transcreveu, salvei em um editor de texto em nuvem e levei 3 horas para reescrever o que falei em 15 minutos. O resultado você acabou de ler.