Existem autores que têm o hábito de não desperdiçarem palavras durante o processo construtivo de suas obras. Outros, porém, não se preocupam em economizar palavras. Para aqueles primeiros, o que, de fato, importa é a concisão; para esses últimos, inexiste a obsessão pelo corte.

Cá entre nós, o grande Graciliano Ramos é um exemplo típico do escritor voltado para a construção de textos curtos. Quem acompanhou de perto o processo criativo do autor no momento que ele escrevia uma de suas maiores obras  ̶ “São Bernardo”  ̶ foi a esposa dele, Heloisa Leite de Medeiros. Em depoimento para um centro de memórias, ela testemunhou a obsessão do marido em cortar, cortar palavras desnecessárias. 

A primeira coisa que chamou minha atenção quando li esse pequeno grande livro foram os parágrafos curtos. Cada palavra tem o seu lugar certo. Entre outras qualidades, Graciliano Ramos tratava a palavra como um escultor, moldava cada uma delas integrando-as no todo dos parágrafos.

Se voltarmos nossos olhos para a literatura internacional, certamente, o escritor tcheco Franz Kafka se destaca como o mestre da concisão. “O Processo” e “O Castelo”, dois de seus principais livros, constituem-se exemplos de que é possível construir obras-primas em textos pequenos.

Dos textos pequenos, então, passamos a comentar o que chamo “literatura de calhamaços”. Nessa condição, enquadram-se grandes romances (no tamanho e na excelência literária).

Nesse sentido, destaca-se o autor do maior romance do mundo: Marcel Proust e sua obra-prima “Em Busca do Tempo Perdido”. Esse é considerado o maior romance da França, uma obra de mais de três mil páginas. Quanto a isso, abro parêntese para comentar minha relação com esse livro. De início, senti certa rejeição pelos seis volumes da obra, minha intenção era ler o primeiro volume

“O Caminho de Swan” e parar por aí. Mudei, todavia, de ideia, pois, logo no primeiro volume, tive a consciência de que era necessário três mil folhas. Só assim Proust poderia divagar lentamente com a principal mensagem contida nesse romance: mostrar o que o tempo faz com a gente. Demorei seis meses até chegar a última página de “Em Busca do Tempo Perdido”, mas valeu a pena o esforço.  

Os leitores que enfrentaram essa obra-prima da literatura universal, certamente, saíram dela como eu saí: com outro olhar sobre a vida e seus segredos, devidamente guardados em um dos instrumentos que o genial Proust usa em seu grande romance: a memória.

Por sua vez, “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, é outro calhamaço, este de 800 páginas, que se enquadra nas aventuras dos grandes heróis de um tempo que não existia mais: as cavalarias. Em 800 páginas, o autor constrói a figura de um personagem que será eterno!

Assim, creio que seja oportuno dizer que, de fato, o fundamental não é o volume para se construir uma grande obra literária; e isso vale para um romance de cem ou mil páginas. Realmente é importante o conteúdo e o que ele reflete nas nossas vidas ao lermos os clássicos da literatura.

Salatiel Soares Correia
é engenheiro, administrador de empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados às áreas de energia, literatura, política e desenvolvimento regional.