Deitado em uma rede, na chácara da minha irmã, minha memória voltou 48 anos, a um dia que foi inesquecível para aquele jovenzinho, candidato a entrar na adolescência. Estávamos no dia 10 de fevereiro de 1974, especificamente, dois dias antes de um jogo que marcou demasiadamente minha paixão pelo futebol: Vila Nova versus Santos. Sim, o Santos de Pelé e companhia.

Naquele tempo, eu era um garoto de 15 anos que curtia mais os Beatles que os Rolling Stones. O que eu amava, verdadeiramente, era o futebol. Na semana que antecedeu o jogo, o povo da cidade só falava, só respirava o jogo do tigrão da Vila famosa contra o peixe de Pelé e seus seguidores: Edu, Pepe e Coutinho.

Por uma coincidência dessas que a vida não explica, eu estudava no Colégio Agostiniano e tinha como colega o jogador do Vila Nova que ficou encarregado de marcar o Pelé. Era o Zé Belo.

“— A bola pode até passar, mas o negão fica. Vou grudar nele, vou pensar nele o tempo todo. Aonde ele for, eu vou. Vocês vão ver” — disse o entusiasmado Zé Belo.

No dia do jogo, no Estádio Olímpico, chequei com a marmita, preparada pela minha avó, entrei no estádio, fui direto para a arquibancada e lá mesmo almocei. Às cinco horas, no Olímpico, não cabia nem uma viva alma. Às nove horas, o Vila e o Santos começaram a digladiar-se. Vamos ao jogo.

Logo nos primeiros minutos, o rei do futebol matou no peito a bola que lhe lançou Edu e já pôs a pelota no chão, Zé Belo deu carrinho para parar o “craque café”, tudo em vão, pois Pelé percebeu a intenção de seu marcador e fez uma jogada genial: jogou a bola entre as pernas do coitado do Zé Belo, que não esperava por essa.

Com o espaço deixado pelo seu marcador, o rei do futebol correu feito um corisco, passou a bola para o excelente ponta-esquerda Edu, este voltou a bola para Pelé, que, num passe monumental para Léo Oliveira, colocou o centroavante santista na cara do gol, e ele fez um golaço.

No segundo tempo, Pelé tinha tomado as rédeas da partida, era cada passe perfeito, cada falta cobrada, que naquele dia batia na trave e não entrava. Léo Oliveira voltaria a marcar mais um gol. Vila Nova, numa bola dividida, descontou. O Santos venceu o amistoso. Zé Belo desapareceu em campo.

Para o azar dele, novamente, ficou frente a frente com o rei, que, sem pedir licença, deu um chapéu no pobre coitado. Foi uma partida tão inesquecível quanto à partida final da Copa do Mundo de 2022 entre França e Argentina. Na segunda-feira, Zé Belo entrou de fininho, mas de nada adiantou. O grupo de colegas, inclusive eu, numa só voz, perguntou: “e aí, Zé Belo, que tal foi marcar Pelé?” Ele, humildemente, retrucou: “É, o homem é de outro planeta”.

Sim, eu vi o Pelé jogar por três vezes, uma em Goiânia e duas em São Paulo. Guardo comigo até hoje o que Pelé representou para a minha geração, que viu o rei do futebol jogar: nunca ninguém chegará aos pés dele. 

Salatiel Soares Correia
é engenheiro, bacharel em administração de empresas, mestre em energia pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de “Crônicas de um Rebelde”.