A importância da governança ultrapassa o simples estabelecimento de estruturas de gestão, ela fundamenta a base para a integridade, transparência e sustentabilidade. Mas, em meio aos desafios corporativos emergentes, surge a questão central: a governança é infalível?

Para o IBGC (2015) a governança é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. O World Bank Group (1992) definiu governança como sendo o método pelo qual o poder é exercido na gestão dos recursos políticos, econômicos e sociais para o desenvolvimento.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico  - OCDE (1995), define como sendo o uso da autoridade política e o exercício do controle na sociedade em relação à gestão de seus recursos para o desenvolvimento social e econômico e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – UNDP (1997) define como sendo o exercício da autoridade econômica, política e administrativa para gerir os assuntos de um país em todos os níveis. Fukuyama (2013), afirma que a governança é definida como a atividade de criar e fazer cumprir regras e fornecer serviços.

Neste contexto, um modelo bastante utilizado como modelo de governança das organizações, é o que foi proposto pelo Instituto dos Auditores Internos – IIA, (2020), conhecido como “As 3 Linhas". Este modelo estabelece três níveis distintos de responsabilidade em um sistema de governança de uma organização. A primeira linha envolve as unidades de negócios que gerenciam diretamente os processos. A segunda linha inclui funções de gerenciamento e diretrizes, e a  terceira linha é a auditoria interna, que fornece uma avaliação independente e objetiva.

Entretanto, organizações são empreendimentos humanos e enfrentam um ambiente complexo e volátil, com diversos stakeholders que possuem interesses variados e por vezes concorrentes. Em relação a sua dinâmica, a supervisão organizacional é delegada a um órgão de governança, o qual concede recursos e autoridade à gestão para execução das ações para atingir os objetivos, que dependem de estruturas e processos efetivos. O órgão de governança recebe relatórios da gestão, confiando na auditoria para fornecer avaliações objetivas e independentes.

Mas e quando a governança falha? Como as falhas na governança afetam diretamente a confiança dos investidores e stakeholders, e qual o custo real dessa perda de confiança? Em um cenário onde a governança não cumpre seu papel, como as organizações lidam com os desafios éticos e as possíveis ramificações legais? Em um contexto mais amplo, de que forma as falhas na governança contribuem para a instabilidade do mercado e afetam a economia em larga escala?

A falibilidade da governança é uma realidade que não pode ser ignorada, especialmente em contextos onde interesses diversos, volatilidade e complexidade convergem. Diante de diversas crises, uma pergunta ecoa: Existe a necessidade de uma quarta linha de defesa para impulsionar a resiliência organizacional?

Já se sabe que a governança não apenas orienta a tomada de decisões estratégicas, mas também fortalece a confiança do mercado e do público, sendo um alicerce para o crescimento sustentável, mitigando riscos, prevenindo práticas antiéticas, elementos que se mostram fundamentais em um cenário empresarial cada vez mais interconectado e dinâmico.

Desastres ambientais, incêndios, contaminações, vazamentos, pandemias e a corrupção, são apenas exemplos de eventos significativos, que podem resultar em interrupções críticas para as operações de uma organização. Mas, em um caso de corrupção, onde a governança falhou, o que fazer? são os próprios corruptores que vão investigar e sanar os desvios? são os fraudadores que vão resolver a fraude cometida? A resposta é óbvia: claro que não!

Então, haveria a necessidade de uma quarta linha de defesa? Como dar continuidade em meio a uma crise?

Neste contexto, a norma ISO 22301 estabeleceu requisitos para sistemas de gestão de continuidade de negócios (SGCN). Seu objetivo principal é ajudar as organizações a se prepararem e responderem eficazmente a incidentes disruptivos, como desastres naturais, falhas tecnológicas, ou crises humanas e prevê a realização de uma análise crítica do contexto organizacional, a identificação de partes interessadas relevantes e o desenvolvimento de planos de continuidade e resposta a incidentes. A norma contribui para aumentar a resiliência organizacional, melhorar a capacidade de resposta a incidentes e reforçar a confiança dos stakeholders.

A governança não é infalível, ela também falha, afinal, como visto, as organizações são empreendimentos humanos. Organizações com estruturas robustas de governança podem, em determinadas circunstâncias, enfrentar desafios imprevisíveis que colocam à prova a eficácia de seus mecanismos. As complexidades e dinâmicas do ambiente corporativo, muitas vezes, exigem adaptações constantes e inovações nos modelos de governança existentes.

O reconhecimento da falibilidade da governança destaca a necessidade de uma abordagem holística, incluindo não apenas estruturas formais, mas também uma cultura organizacional resiliente, liderança ágil, e a capacidade de aprendizado contínuo.

Danila Duarte
Mestranda em Gestão de Políticas Públicas pela UFT é formada em ciências contábeis com pós-graduação em auditoria e controladoria. Auditora Independente/CNAI. Coordenadora Regional do Compliance Women Committee no Tocantins e do Comitê de Compliance da Rede Governança Brasil. Possui certificações em Compliance Anticorrupção CPC-A e Compliance Público CPC-P. Auditora Líder na ISO 37:001 Sistema de Gestão Antissuborno e na ISO 37.301 Sistema de Gestão de Compliance. Atua como mentora para implementação de programas de integridade para prefeituras. Autora dos livros: Guia Prático do Consultor de Compliance e do livro Mulheres no Controle do CONACI. Foi uma das autoras da Cartilha para Estruturação de Programas de Integridade para Prefeituras da RGB. Currículo lattes: https://lattes.cnpq.br/7113743009012323. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7966-259X. E-mail: danila@ddcompliance.com.br.

REFERÊNCIAS

ABNT. Associação Brasileira De Normas Técnicas. NBR ISO 22301. 1: Segurança da Sociedade – Sistema de Gestão de continuidade de negócios – Requisitos. São Paulo, 2013.

IBGC. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores práticas de governança corporativa. 5.ed. - São Paulo, SP: IBGC, 2015. 108p.

FUKUYAMA, F. What is governance?.Governance, v. 26, n. 3, p. 347-368, 2013.

WORLD BANK GROUP. Governance and development. Washington: WBG, 1992.

OCDE. Participatory development and good governance. Paris: OCDE, 1995.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Governance for sustainable human development. A UNDP policy document. New York: UNDP, 1997.

THE IIA (THE INSTITUTE OF INTERNAL AUDITORS). MODELO DAS TRÊS LINHAS DO IIA 2020: uma atualização das três linhas de defesa. 2020. Disponível em: https://iiabrasil.org.br/korbilload/upl/editorHTML/uploadDireto/20200758glob-th-editorHTML-00000013-20082020141130.pdf. Acesso em: 14 dez 2023.