Durante a pandemia de COVID-19, alguns intelectuais começaram a pensar em um mundo pós-pandemia e diziam que existiria um “legado” digital e que deveríamos pensar mais nas tecnologias e como elas auxiliam a vida. Legado esse que já existia e que só foi acelerado para manter a produtividade em período de isolamento. Na época, eu considerava tudo muito estranho; afinal, só precisávamos sobreviver e manter a saúde física e mental.
 
Essa saúde mental que precisávamos já estava fragilizada antes mesmo da pandemia, e com ela, estávamos isolados, com medo, sem saber o que fazer e com mais dúvidas que certezas. Começamos a falar e falar muito sobre “Saúde Mental”. Os especialistas começaram a traçar seus discursos e compreensões, a circulação dos discursos sobre a mente humana estava em todos os lugares: falamos sobre e falamos muito.
 
A partir de então, muitos profissionais da área da psicologia e da psiquiatria, além dos mais variados terapeutas que surgiram, como os “Consteladores Familiares”, os que seguem métodos de “coaches”, os “lifestalist” e os influencers, começaram a falar também. Entramos de vez na era em que se pode falar sobre os problemas psicológicos livremente. 
 
O que pode ser encarado como algo positivo, diante de décadas de segregação e luta antimanicomial. No entanto, precisamos pensar e refletir sobre essa profusão de especialistas em saúde mental da internet, sobre essa viralização de discursos sobre psicopatologias e, também, sobre os sujeitos sedentos por diagnósticos ou por quererem enquadrar suas dificuldades cotidianas e corriqueiras em um transtorno.
 
Temos atualmente um aumento significativo de páginas em redes sociais especializadas em transtornos mentais, tais como ansiedade, fobias sociais e, em destaque, o TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade. Consequentemente, agora as pessoas comentam que também são TDAH por se identificarem com o meme, muitos se dizem “sou TDAH sem diagnóstico”, alguns ainda questionam como fazem para receber o diagnóstico, já que só falta isso e só se fala nisso, procurando mais e mais sintomas e memes para se identificarem.
 
Essa generalização pode vir acompanhada pela banalização dos transtornos, minimização do sofrimento dos sujeitos que precisam de tratamento e por um processo equivocado de compreensão do que é conviver com os sintomas; os memes geralmente isolam uma dificuldade ou sintoma sem aprofundamento adequado e explicação concreta do que é o transtorno.
 
Esse exemplo de como as psicopatologias dominaram o cotidiano é apenas uma das manifestações atuais que temos no mercado da internet. É preciso destacar que cuidar da saúde mental vai além dos conteúdos de 30 segundos ou dos poucos caracteres. É necessário refletir sobre essa lógica atual da internet, em que, em todos os sentidos, o profissional ou influencer está tentando obter clientes, seja na clínica, nos cursos e palestras, geralmente virtuais, ou nos likes. Sobretudo, é fundamental respeitar o Código de Ética dos Conselhos Profissionais.
 
Ainda não vencemos, como sociedade, os preconceitos, os receios e os medos da busca pelos profissionais psicólogo e psiquiatra; muito se viraliza, mas a avaliação psicológica e psiquiátrica ainda é um tabu em nossa sociedade, junta-se a isso profissionais que necessitam de mais aprofundamento e formação para falarem sobre questões importantes do comportamento humano.
 
Precisamos refletir sobre essas novas formas de manifestações e divulgações; temos que pensar que a popularização das questões sobre as psicopatologias nem sempre vem acompanhada com uma real inclusão dos sujeitos que necessitam de tratamento adequado.
 
Voltando ao exemplo do TDAH, um diagnóstico bem elaborado necessita de avaliações multiprofissionais, do Neurologista ou Psiquiatra e Psicológica. Não é um processo simples e que dure apenas uma sessão. O que está em jogo não é somente o remédio, mas também todo um processo de reestruturação dos sujeitos envolvidos com os tratamentos constantes e que na maioria das vezes envolvem diversos profissionais e atividades de organização e rotina.
 
A Avaliação Psicológica, com método e técnicas restritas aos Psicólogos, é uma avaliação que necessita ser levada em consideração no processo do diagnóstico. É ela que vai ajudar a traçar os caminhos e auxiliar outros profissionais na construção dos seus tratamentos. São preocupantes os diagnósticos de uma consulta; eles não levam em consideração as diversas formas e manifestações de uma psicopatologia e muitas vezes de suas comorbidades.
 
Há aproximadamente uma década eu apontei, em uma palestra, sobre os perigos da medicalização da vida em escolares; fui altamente criticado e mal compreendido e, o que vejo hoje, é uma piora nessa lógica médico-higienista e um aumento na busca do diagnóstico para obtenção de medicamentos para resolver questões cotidianas, que incluem a melhora do desempenho escolar e em concursos. Questões que podem ser compreendidas e auxiliadas para além do uso somente medicamentoso.
 
Eder Ahmad Charaf Eddine é Psicólogo (CRP-23/1465) e Professor Associado da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Doutor em Psicologia e Educação (USP). É autor dos livros Psicologia, Educação e Homossexualidades: o Normal e o Patológico em Revistas Científicas de 1970 e 1980 (2023), pela EdUFT e Desenvolvimento e aprendizagem em Manuais Didáticos de Psicologia Educacional (2013), pela Paco Editorial.