O julgamento do marco temporal das terras indígenas, com toda certeza, foi um dos temas mais acompanhados pela comunidade do agro nos últimos tempos, por ser um dos mais impactados. No entanto, em 21 de setembro de 2023, por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o marco temporal de terras indígenas. Importante entender a dimensão do que foi julgado e, para isso, é necessário saber, de fato, o que é e o que significa o Marco Temporal das terras indígenas.

Pois bem, de acordo com a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

Utilizando-se desse artigo, em 2009, durante o julgamento do processo da “Raposa Serra do Sol”, o próprio STF entendeu que era necessário estabelecer um marco temporal, utilizando como base a data de promulgação da Constituição Federal, ou seja, 5 de outubro de 1988, para determinar que naquela data, as terras originalmente ocupadas por povos indígenas seriam demarcadas como tal. Desde então, esse tinha sido o entendimento consolidado da Suprema Corte.

Assim, entendeu-se que estava pacificado o marco temporal reconhecido pelo STF trazendo segurança jurídica e protegendo o direito à propriedade. Ocorre que, novamente provocado sobre o mesmo tema, o STF voltou atrás em seu posicionamento anterior e considerou inconstitucional o Marco Temporal das terras indígenas. Logo, a partir de agora, novos pedidos de demarcação, mesmo que a ocupação tenha ocorrido em data posterior à promulgação da Constituição Federal de 88 poderão ser feitos, analisados e, o pior, produtores rurais podem perder suas terras.

Qual a maior implicação desse julgado na vida do produtor rural?

Acabou a segurança jurídica das terras! Terras que foram passadas por gerações, que são produtivas, podem simplesmente ser demarcadas como terras indígenas e o produtor pode perder a sua propriedade! As maiores implicações que se veem nesse momento são a insegurança jurídica sobre a propriedade privada dos produtores rurais e, inclusive, o risco de uma crise alimentar.

Atualmente, de acordo com os registros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), há demarcado no país 736 áreas indígenas, correspondentes a 13,75% da extensão do território nacional. Há, ainda, cerca de 490 reivindicações de povos indígenas em análise, as quais poderão ser demarcadas agora após a derrubada do Marco Temporal pelo STF. Em 2022, o número de indígenas residentes no Brasil era de 1.693.535 pessoas, o que representava 0,83% da população total do país.

O Brasil é um país produtor que alimenta grande parte do mundo. Se grandes extensões de terra forem demarcadas como áreas indígenas, essa produção de alimentos não poderá continuar e, além da perda patrimonial de produtores que lutaram uma vida para conseguir comprar “seu pedaço de chão” também haverá drástica redução na produção de alimentos.

É importante destacar que esse julgamento foi na contramão do entendimento anterior da própria Corte e quanto ao Projeto de Lei (490/07) que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados sobre o Marco Temporal e agora tramita perante o Senado.

E agora? O que pode ser feito? Bancadas que defendem o agronegócio e observam o risco e dimensão dessa decisão estão buscando junto ao parlamento algum “remédio” cabível nessa situação, sendo estudado novos projetos com tramitação de urgência, prevendo, por exemplo, que o produtor seja, pelo menos, indenizado se sua terra for demarcada como terra indígena.

Além disso, a decisão do STF não vincula o Poder Legislativo, podendo ele, inclusive, editar lei com conteúdo contrário ao que foi decidido pela Corte máxima; tal reação é conhecida como efeito backlash, e, ocorreu recentemente quando a mesma Corte julgou inconstitucionais as vaquejadas e, logo após isso, houve a promulgação da EC 96/2017, liberando as vaquejadas, tendo em vista a grande importância cultural que elas exercem pelo país inteiro.

Nesse interim, enquanto não há alternativas, já há notícias de invasão de propriedades em Guaíra (PR), por parte dos índios, reivindicando terras. Em um cenário de incertezas, vamos precisar de auxílio parlamentar para conseguir saídas alternativas aos produtores rurais.

Juliana Frantz
é advogada especialista em direito agrário e agronegócio