Gustavo Ferreira Amaral
Estudante do curso de Direito na UFT e Presidente do DCE 
 
Maria Santana Milhomem
Professora do Curso de Direito e pró reitora de Extensão da UFT
 
Todo pensamento é parcial versando sobre o que importa […]. Um país sem memória não pode ficar esperando que um passado caia do céu..
Roberto Gomes

“Dê-me uma alavanca que moverei o mundo”
Arquimedes
 
Quando criança, as grandes figuras históricas me fascinavam. Ficava obcecado, consumindo tudo que estava à mão na biblioteca da escola. Foi assim com Jules Verne, ao ler 20 Mil Léguas Submarinas e descobrir de onde tinham tirado o nome para o filme. Da mesma forma foi quando li a biografia de Leonardo da Vinci e descobri que ele sabia escrever ao contrário. Não foi diferente com Arquimedes, cientista grego da antiguidade, responsável por várias descobertas matemáticas, físicas, além de sua famosa expressão ‘’Eureka!”. Esse último me fascina até hoje, não somente pela sua genialidade comprovada, mas também pela sua peculiar história e especulações.
 
Certas coisas eu, enquanto criança, não conseguia entender, como o fato de apenas terem conhecimento de quem era seu pai, mas não sua mãe. Descobri mais tarde que, além da perda dos relatos, por diversos fatores, a história é um espaço de disputa e que mulheres, no geral, são apagadas da história, com raras exceções. Lembro-me de que se especulava que a mãe de Arquimedes era escrava e que, por ele ter parentesco com a nobreza, se escondia isso.
 
Outro fato curioso para mim, nas priscas eras, foram as suas últimas palavras antes de ser morto, durante o Cerco de Siracusa, por um soldado romano: “Não perturbe meus círculos!” Tal frase sempre me despertava interesse. Ao longo do tempo, teorizei que há uma tendência de construção do cientista como uma pessoa desinteressada, neutra, imparcial. Tal postura garante certo lugar de privilégio e ausência de risco. Arquimedes é, para mim, o arquétipo do cientista, alguém em que se lançarmos um olhar superficial, diríamos que é ‘’neutro’’, preocupado apenas com a ciência e sua investigação.
 
No entanto, ao me ater ao contexto histórico, é impossível não me preocupar com essa postura desinteressada, que muitas vezes é colocada para nós hoje como louvável. Arquimedes via nas ciências naturais – matemática, física – o que importava para si. Descobertas científicas que repercutem até hoje, um certo domínio da técnica que o colocou ao lado de outros grandes cientistas. 
 
Numa sociedade sustentada pela escravidão, de constantes guerras e de uma elite sustentada por essa estrutura, hoje eu imagino essas histórias que não foram contadas. A desses escravos, talvez a da mãe de Arquimedes e dos mortos na Segunda Guerra Púnica. Agora podemos olhar para essa época com certo distanciamento e dizer ‘’Que bárbaro!’’ ou ‘’Como era possível com tantas descobertas científicas ainda ter escravidão?’’. Ora, hipócritas seremos, se fizermos assim. É espantoso que a ciência fosse praticada enquanto pessoas eram escravizadas, mas havia um pensamento hegemônico o qual permitia que as coisas seguissem assim. Seja raça, casta ou determinação divina, sempre encontravam um jeitinho para justificar privilégios e exploração.
 
Esquecimento, apagamento ou negação, nunca saberemos o porquê de uma figura tão notável não se implicar sobre tais atrocidades. Sendo filho de mulher escravizada, não teria Arquimedes caminhado em uma direção adversa à sua ciência e genialidade? Ao que sabemos, seu conhecimento acabou sendo apropriado pela nobreza de sua época e nada impactou à realidade social.
 
Hoje observo o Mundo, o Brasil, o Tocantins e me questiono quais ideias fazem as pessoas aceitarem as coisas como estão e se conformarem. Obviamente, há condições materiais que ajudam, porém ao observar mais criticamente a história, podemos perceber que a escravidão foi, em alguma medida, ‘’superada’’ por conta de pessoas que se posicionaram a respeito. Pessoas que também morreram assim como Arquimedes, mas que  ‘’perturbaram os círculos’’ de alguém.
 
Memória, margem e neutralidade. Quis com essa pequena análise, pontuar que viver é tomar partido sobre seu tempo e que várias figuras valorizadas pela história e ciência, muitas vezes se omitiram de criticar a sociedade ou comprar uma luta por uma sociedade melhor, preferindo uma posição confortável de isenção que, na verdade, apenas esconde uma falta de memória, consequência do apagamento, ou negação da realidade em prol de uma condição confortável.