O grande Machado de Assis nos ensina em seu famoso conto “O Espelho” que o ser humano dispõe de duas almas: uma exterior e outra interior. E diz isso de uma forma muito  didática, sem deixar de alcançar elevado grau metafísico.

Machado nos conta que conhecera um judeu cuja alma exterior eram seus ducados; perdê-los significaria a morte para ele. A alma exterior de César era outra: o poder. O fundador da Acadêmica Brasileira de Letras menciona nesse conto que conhecera uma senhora que tinha o hábito de mudar de alma exterior umas cinco vezes por ano: “Durante a estação lírica é ópera; cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do cassino, a Rua do Ouvidor, Petrópolis...”

E assim, cada cabeça é uma sentença. O fato é que a alma exterior é a coisa concreta, que vem de fora para interferir naquilo que sentimos dentro de nós mesmos. Para uns, é um carro novo; para outros, uma mansão; para outros mais, é ficar na beira de uma praia contemplando o horizonte infinito. Diria eu que a alma exterior é o lado visível dos seres, que se manifesta naquilo que é externo.

A interior, ao contrário, é aquilo que realmente somos. Aquilo que não conseguimos mentir para nós mesmos: o nosso eu mais profundo. Só conhecemos a alma interior quando esta se manifesta através da ação. Exemplos na vida não nos faltam para entender isso.

A infidelidade conjugal é a ação concreta de alguma inquietação dentro da alma interior. Geralmente, é o vazio que se manifesta na fraqueza da carne. No fundo, no fundo, é a procura de algo que nos falta. O assassino evidencia uma ação — aflição, ciúme, ódio, medo, desespero. Enfim, é o que se sente no interior, manifestado naquilo que é exterior.

Convivo muito de perto com gente que não consegue lidar com as marcas do tempo, com a realidade que lhe mostra o espelho quando vê sua imagem ali projetada. Procuram reformar o físico quando deveria reformar a alma interior, o caráter.

Ir à missa toda semana procurando redimir pecados para depois voltar pecar mais é um gesto de cinismo não só para consigo mesmo, mas para com Deus. É tornar pior o que já era muito ruim. Nem plásticas mal feitas dão jeito!
Quando a máscara cai o ser humano se revela como ele é e não como diz querer ser. Em momentos como esse a alma interior, visível  e transparente, supera  o lado fingidor inerente a cada um de nós.   Matamos um leão por dia escondendo nosso eu mais profundo na alma interior expondo assim o que não  somos na superficialidade da alma exterior.


Salatiel Soares Correia
é engenheiro, bacharel em Administração de Empresas e mestre em Energia. É autor, entre outros, de Capitalismo Mundial e a Captura do  Setor Elétrico Na Periferia.