Luiz Armando Costa
 
Fazia sol de rachar no 20 de maio de 1989. Era um sábado mas pouco importava. Fosse meio de semana, dava igual. As pessoas fariam similar celebração e viriam do mesmo jeito: de avião, carro, carroça, lombo de cavalo, bicicleta ou a pé. 
 
Os cantores nordestinos Genival Lacerda e Marineide pareciam sentir-se em casa no meio dos sertanejos, nordestinos na alma, como eles. Siqueira iniciou a Avenida JK na direção Leste, apontando a TO-050. 
 
Do outro lado, para o Oeste, o lugar era tomado de pequenos aviões. Ao Norte, as pessoas disputavam pedaços de carne fria com feijão tropeiro, nas proximidades do ribeirão Água Fria. Muita gente ficou sem água e comida. Carne, feijão, farinha e a ventania desses dias de outono já quase inverno, uma combinação imperfeita. 
 
Mas uma comunhão histórica. Lá pelas 11 horas, não tinha mais nada de comida nem água. Beber só no Água Fria ou no Brejo Comprido. O primeiro estava aos nossos olhos, ali no lado Norte. O outro, tinha-se que dar meia volta e embrenhar-se na capoeira. 
 
Ao Norte também se montou um grande palco para os shows. Dentre eles, apresentações de dança do grupo portuense Andanças. No Centro, o cruzeiro com um tablado onde o bispo Celso Pereira de Almeida, um esquerdista militante, antípoda do conservador Siqueira Campos, celebrou a primeira missa. Anos depois, Siqueira tentaria mudar o cruzeiro do lugar original para favorecer a avenida que circundava o Palácio.
 
Siqueira não podia mudar o bispo e também ter no comando da primeira missa da cidade que planejava construir (e que o fez com rapidez e determinação) uma autoridade menor da igreja. E o chefe da Diocese era justamente um esquerdista. Uma encruzilhada. 
 
Os petistas comemoraram. A Arena engoliu. Na verdade, já era PDS de roupa, mas a alma era arenista. Siqueira deu o troco: trouxe, assim que pôde, indicado pelo pefelista (e ex-Arena/PDS), Marco Maciel, o seu próprio chefe da igreja: o arcebispo metropolitano. Um arcebispo, portanto, maior que o bispo.
Empresas e órgãos públicos montaram barracas para apresentar suas histórias e produtos. Já ali se prenunciava uma divisão: os populares colocados ao lado do palco, distante do que seria o Palácio, do cruzeiro e dos empresários. 
 
Nas barracas, wiskie e petiscos. A orientação político-geográfica e demográfica seguiria com o alojamento, no ano seguinte, dos mais carentes num bairro afastado, os Jardins Aurenys, liberando o centrão aos mais abastados. Nada diferente do Sobradinho ou Núcleo Bandeirantes de Brasília (DF).
 
Do outro lado do descampado, sertanejos disputando espetos de carne, como nos velhos comícios da Arena em Taquaruçu ou Canela. Siqueira tinha sido um dos líderes da Aliança Renovadora Nacional na Câmara dos Deputados e nos governos militares. E tinha sido fundamental no processo legislativo e político no Congresso que culminou com a criação do Estado e, como consequência, da nova capital.
 
Hoje já tenho mais anos de Palmas do que passei em Goiânia. O amigo e jornalista Salomão Wenceslau, um goiano de nascimento e tocantinense de coração e por adoção, dizia que quando as coisas pioravam, mirava a Belém-Brasília em direção a Goiás. Nunca o fez na prática. Nas quase três décadas morando na cidade, sinto, como todos que comeram a poeira dos primeiros dias, a alma rejuvenescida e preenchida. E há muito não volto minhas vistas para a BR.