Neste domingo, comemora-se o centenário do nascimento de Paulo Freire, educador brasileiro que continua proporcionando grandes lições a leitores conterrâneos e estrangeiros. Tais ensinamentos são possíveis aos que se dispõem a conhecer as obras escritas, ou seja, a dialogar com o autor a partir da leitura de seus livros.

Os textos freirianos são fontes inesgotáveis de contribuições para o meu trabalho como pesquisador e como formador de professores, no ensino de graduação e de pós-graduação. São inesgotáveis porque faço relevantes descobertas a cada novo encontro pela leitura, motivado por propósitos diversos e em situações diferentes. 

Neste texto, compartilho experiências construídas entre pernambucanos, também virginianos, trata-se de um tipo de testemunho. Como Paulo Freire, igualmente recifense, tem influenciado meu trabalho na Educação? Para este texto, seleciono duas lições aprendidas e interconectadas, as quais, em minhas aulas, compartilho com os alunos, especialmente a partir de minhas atitudes. Os alunos a que faço referência são professores em formação inicial e em formação continuada

Como primeira lição, minha sala de aula, no ensino presencial ou remoto, funciona como um espaço de construção colaborativa de conhecimentos, uma espécie de janela para a leitura e a compreensão do mundo. Assim, meu trabalho docente não se limita à reprodução de conteúdos disciplinares, percebidos por alunos como pouco significativos ou, até mesmo, desprovidos de utilidade. Esforço-me para identificar diferentes necessidades discentes, que são demandas instauradas e renovadas por turmas distintas. Daí trilho percursos, seleciono e construo conhecimentos para orientar o meu agir profissional.

A postura descrita demanda o exercício da autonomia, que é a segunda lição. A autonomia se caracteriza pela prontidão dos professores para refletirem sobre o próprio trabalho realizado, assumindo uma postura de pesquisadores da própria prática profissional. Eis a importância da valorização do magistério e do investimento na formação crítica dos professores. Paulo Freire propõe o diálogo produtivo entre representantes das universidades e das escolas, com aprendizado mútuo para as duas comunidades, evitando-se a imposição de saberes ou o silenciamento de alguma das partes.

Eis dois momentos especiais em que me senti orgulhoso de ser brasileiro: (1) há alguns anos, num congresso científico na China, uma pesquisadora da Oceania fez uma exposição e mostrou que as obras de Paulo Freire eram as principais referências da pesquisa sobre alfabetização de adultos, realizada e apresentada por ela; (2) na última semana, num congresso sobre formação de professores no contexto pandêmico, tive o privilégio de participar de uma exposição, um painel científico, com três palestrantes de países distintos da América Latina. Nas pesquisas desses cientistas, tematizando desafios do ensino remoto em comunidades periféricas de seus respectivos países, era evidente a influência freiriana no trabalho realizado para produzir práticas de linguagem produtivas e empoderadoras. 

Finalmente, considerando as experiências aqui pontuadas, compreendo haver boas razões e inúmeras justificativas para a celebração do centenário do nascimento de Paulo Freire, meu conterrâneo e grande interlocutor! 

Wagner Rodrigues Silva
é Doutor em Linguística Aplicada e docente na Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Palmas.