Ziraldo é o amuleto de Jô Soares. O cartunista, que todo ano participa do "Programa do Jô", será o último entrevistado do talk show, que se despede da Globo nesta sexta (16), após 16 anos no ar.

É bom prestar atenção no que Ziraldo dirá, pois a sorte que ele traz é uma premonição ao contrário na vida do apresentador, de quem é amigo há quase 60 anos ("somos homoafetivos sem sexo e longe um do outro", ressalta o pai do Menino Maluquinho).

Quando, em 1988, Jô trocou o sucesso na Globo com o humorístico "Viva o Gordo" pela aventura de fazer um programa de entrevistas no ainda meio verde SBT, Ziraldo vaticinou: não daria certo.

Aconteceu justo o oposto, e o "Jô Soares Onze e Meia" inaugurou no país uma era de programas diários de entrevistas, com humor e sarcasmo, exibidos no fim de noite.

À época, publicou-se que o humorista recebia o maior salário da TV brasileira. Quem intermediou a negociação foi Carlos Alberto de Nóbrega, então diretor artístico do SBT e ex-parceiro de Jô nos roteiros de "Família Trapo", sucesso na Record nos anos 1960.

Nóbrega diz não se recordar de valores, mas conta que Silvio Santos estendeu a Jô um "contrato em branco".

No SBT, o humorista pôde enfim estrear em um talk show. Ele acalentava um projeto parecido com o do americano "Tonight Show" de Johnny Carson, ou com o programa de entrevistas de Silveira Sampaio, pioneiro no Brasil, em que Jô foi produtor.

O "Onze e Meia" ficou dez anos no ar. Até que, em 2000, Jô Soares retornou à Globo para uma atração nos mesmos moldes.

Outra de Ziraldo: quando Jô se lançou no romance com "O Xangô de Baker Street" (1995), apostou no fracasso. Pois o livro se tornou best-seller, e seu autor, além de publicar outros títulos, neste ano se tornou membro da Academia Paulista de Letras.

"Essa história foi ele quem inventou, rá, rá, rá! Como é engraçado, eu deixo para lá", resume Ziraldo. "Agora vou revelar toda a verdade: ele inventou isso para dar sorte!"

FUTURO

O futuro de Jô Soares, na televisão e na Globo, estava indefinido até a última quinta-feira (15). Ou guardado a sete chaves. A produção não sabia seu futuro depois desta sexta. Questionada, a Globo não informou o destino da equipe.

Jô ainda não quer se pronunciar sobre o que fará nem sobre o encerramento desse ciclo.

Em 2017, seu horário na Globo será ocupado por um novo talk show, com Pedro Bial. A atração ainda está sendo formatada com o roteirista João Anzanello Carrascoza e o diretor Ingo Ostrovsky.

Uma reunião ocorrerá nesta sexta (16), no Rio, para discutir o projeto -que deverá ser gravado em São Paulo. Bial não respondeu às tentativas de contato da Folha de S.Paulo.

A Globo teria oferecido a Jô um quadro no "Jornal da Globo", mas o apresentador não topou. Ele já chegou a comentar que gostaria de continuar com o "Meninas do Jô" -às quartas, ele recebe jornalistas especializadas em política e economia para debater o noticiário da semana.

Em fevereiro, quando a Globo confirmou que esta seria a última temporada do programa, ele disse à Folha que "não era um mau desfecho" após 28 anos no ar.

Para Marília Gabriela, que já comandava um programa de entrevistas antes de Jô, o comunicador irá fazer uma falta "danada", mesmo que a concorrência tenha profissionais competentes.

"Não é que não tenhamos bons comunicadores, mas a cultura do Jô é difícil de igualar", afirma. "Ele influenciou uma geração que faz talk show à sua imagem e semelhança."

Para Gabi, ao contrário de jornalistas que comandam programas de entrevistas, Jô encara qualquer barra mantendo o "nível lá em cima".

"Se você é jornalista e seu entrevistado for ruim, você vai sofrer muito. Se você for um bom humorista, o programa está salvo", fala. "Jô tem recursos que um jornalista não tem. Ele faz um show."

Nesta temporada, o "Programa do Jô" manteve média de 6 pontos no Ibope da Grande SP (cada ponto equivale a 197,8 mil espectadores), a mesma alcançada em 2015.

No ar e nas gravações, Jô demonstra vigor para continuar. Reforça a voz para dizer que está em sua última temporada -"na Globo".

Nesta noite, com a caneca cheia de Guaraná Zero à mesa, agradecerá a entrevistados célebres (já entrevistou prêmios Nobel, Pulitzer e todos os presidentes desde a redemocratização, menos Temer) e os desconhecidos que ficaram famosos em seu programa.

Jô quis evitar o tom de despedida em um programa especial -desejará boa noite e dirá seu "beijo do Gordo" como em uma noite qualquer.

NA TV

Programa do Jô

QUANDO à 0h30, na Globo

*

TRÊS DÉCADAS (OU QUASE) DE SOFÁ

Momentos marcantes de Jô no talk show.

Em 28 anos, o apresentador fez 14.426 entrevistas (6.684 no SBT e 7.742 na Globo). Entrevistou todos os presidentes (menos Temer) após a redemocratização e prêmios Nobel, como Dario Fo e José Saramago

1988

Jô deixa a Globo, onde trabalhava desde os anos 1970. Estreia no SBT com humorístico 'Veja o Gordo', nos moldes do 'Viva o Gordo' e com o talk show 'Jô Soares Onze e Meia'

1989

Jô faz a última entrevista de Raul Seixas na TV

1995

Entrevistas antológicas no SBT, com Tim Maia, Roberto Carlos e Paulo Maluf

2000

Na volta à Globo, reúne Hebe Camargo, Lolita Rodrigues e Nair Belo

2015

Cortes na emissora transformam sexteto de músicos em quarteto. Em ano de tensão política, resgata o quadro de debates 'Meninas do Jô', criado em 2005. Após entrevistar Dilma Rousseff, é chamado de petista e a frente de sua casa, em São Paulo, pichada: 'Morra'. À Folha diz: 'Intelectualmente, sou anarquista'

2016

Globo anuncia fim do 'Programa do Jô'

DEPOIMENTO

Porchat: 'Tenho a sorte de poder dizer que o Jô mudou minha vida'

FÁBIO PORCHAT

Todo mundo sabe a hora certa de ir dormir. É assim que acaba o programa do Jô Soares. Desde muito tempo (para mim desde sempre), antes de dormir, a gente dá aquela zapeada para saber quem é o entrevistado do Jô.

Bom, sinto constatar, mas, a partir de semana que vem, o mundo ganhará 200 milhões de insones. Ninguém mais saberá a hora de ir para cama. Vamos passar a madrugada procurando por aquele que sempre fez o serviço do galo às avessas. E não vamos encontrá-lo.

Seremos uma multidão de zumbis, perambulando por nossas casas sem saber exatamente o que fazer. Nesta sexta-feira, ganharemos o último beijo do gordo na história. Realmente esse 2016 está provando ser um babaca mesmo.

O Jô elevou o humor a um outro patamar. Mostrou como podemos ser fortes usando apenas as palavras. Como é possível ter relevância e ser respeitado sendo engraçado. O que ele fez pela comédia apenas alguns gênios como Chico Anysio e Ronald Golias conseguiram.

Eu, particularmente, tenho a sorte de poder dizer que o Jô Soares mudou a minha vida. Se não fosse por ele, hoje talvez eu estivesse infeliz, trabalhando numa firma e sendo o tiozão engraçado do trabalho.

Eu posso bater no peito e dizer: "Sabe o Jô? Então, foi lá que tudo começou para mim". Obrigado, Jô, por mim e por todo mundo que sempre foi para a cama mais leve e feliz.

Só vou te pedir que, nos primeiros anos, você me ligue toda noite por volta das duas da manhã para me dizer que eu já posso dormir. Pode ser até um áudio do Whats. É só até eu me acostumar. Sabe como é, né? Força do hábito.