Quando me perguntam onde nasci, o primeiro desejo que vem é dizer, foi em Pium, é uma cidade, mas aí vem uma vozinha e me corrige: foi no Café da Roça, município de Pium. Aí as cartas vêm pra mesa, é...

Do tempo das cartas, à luz de lamparina, Tia Leninha no rádio, e eu jurava que se abrisse o rádio, lá ela estaria dentro, tipo a pílula mágica encolhedora do Chapolin Colorado. 

Desde muito pequena, escrevia cartas e tinha paixão pelos livros, fui alfabetizada por um moço chamado “Zé Café”, ele era semianalfabeto, meu primeiro milagre.

Naquela época, anos 80, tinha o primeiro ano fraco e o primeiro forte, eu, “desarnada” que era, fui direto para o primeiro forte. Era muito curiosa com os livros. Mas um belo dia, não tão belo, eu estava ao pé da mesa da professora, folheando os livros dela, que tinha uns a mais do que eu... no caso, eu tinha um, digo, uma cartilha velha.

E eu, alegremente, folheava, e lia coisas e coisas nos livros da professora, “Adriana”. Quando de repente, ela, odiosamente, bradou para que toda a turma escutasse: “Luciene”, você já pegou foi mania de ler.

Acho que foi a primeira vez que quis mudar de nome. Ler era ruim!? Com brilho nos olhos, de lágrimas que lutavam para não cair, abaixei a cabeça, peguei o saco de plástico que carregava a velha cartilha, o lápis preto e a borracha amarelada retangular já gasta, e saí. Porta a fora, as lágrimas já rolavam soltas, como se quisessem formar um rio, um rio de lágrimas.

Lembro-me muito bem do trajeto para casa, era um carreiro cheio de pedras, tenho a cor das pedras diante dos meus olhos, e o som que elas faziam a cada passo envergonhado que eu dava. Entrei em casa aos prantos, quando minha mãe quis saber o que havia acontecido, quando, entre soluços, eu disse: “não volto mais para aquela escola” e narrei o ocorrido, aquilo me roía por dentro, ler era a coisa mais bela que eu fazia, era a minha melhor diversão, como poderia ser tão ruim, como poderia fazer alguém esbravejar assim comigo e me humilhar na frente de toda a turma, a minha cabeça não parava.

A blusa já estava ensopada e com o gosto salgado de lágrimas quentes que a encharcavam. Vejam que não me lembro o que minha mãe me disse, mas é fato, ela fez acontecer na minha vida o segundo milagre. 

Disse, provavelmente, algo incrível e suficientemente capaz de me fazer acreditar que eu deveria voltar para a escola e seguir a minha jornada, que o episódio “dissaboroso”, falava que, desde muito cedo, “tem pedras no meio do caminho”, mas que eu poderia simplesmente usar essas pedras para ajudarem na construção da minha escadaria, da escadaria da minha vida.

Entre pedras e tropeços, e belas e imponentes escadas, aqui estou, sobretudo, acreditando no poder e na magia da leitura.

Ah, mudei meu nome, já não me chamo mais “Luciene – Barbosa Gama”, hoje: 

Bell Barbosa Gama
Atriz, produtora cultural, arte Educadora – Pedagogia, supervisão e docência – ênfase no Teatro  (UFT)