Em consideração a vários alunos, que enchiam de alegria qualquer professor, aceitei participar daquele evento. Após as “rápidas palavras” do diretor, que repetiu clichês consagrados, foi servido o lanche: sucos artificiais, chocolates baratos e uma trilha sonora melancólica, para aquela juventude faminta.

Após o instinto voraz dos jovens serem satisfeitos, fizemos uma apresentação teatral caracterizando alguns perfis de alunos que marcaram o ano letivo. Eles se identificaram, aprovaram, aplaudiram e riram de si mesmos.

Na sequência, os professores padrinhos de cada turma, foram homenageados pelos alunos representantes. Em seguida, os educadores retribuíram o tributo para as demais turmas dos terceiros anos. Tive o azar de falar para a última, a turma F. 

Era visível a agitação dos alunos, que naquele instante só pensavam em piscina e futebol. Eu tinha preparado um texto que demorei cinco horas na noite anterior para escrever, além de um outro que a coordenadora geral me pediu para redigir em nome da coordenação pedagógica, mas ela não compareceu e não leu. 

 Logo no início da leitura, observei que ao fundo, alguns ruídos intencionais começavam a perturbar todo o salão, gerando mal-estar naqueles que se propunham a ouvir. Apurei minha visão e constatei que aqueles rostos e bocas barulhentas eram familiares e premeditadas. Inicialmente, utilizaram aquela técnica de escutar algumas frases e em seguida interromper com falsos aplausos e gritarias. Curiosamente, a desordem não atingiu os demais professores, o único alvo era o professor de História. Foi o prêmio pelos meus pecados, o de trabalhar temas sensíveis para uma clientela sem sensibilidade.

Estava ali presente um grupo de alunos, número quase insignificante, que durante as aulas de História, quando o assunto entrava no campo da política, nas questões ambientais, emancipação feminina ou quaisquer outros conteúdos sobre minorias sociais, demonstrava um desconforto em suas expressões e verbalizações. Ganhei o rótulo de “professor petista”, embora nunca tenha declarado a minha visão ideológica ou partidária em sala de aula.

Aquela minoria sem alma, em torno de quinze alunos, de um total de duzentos, gritava: “Bolsonaro! Bolsonaro! Mito! Mito!” Tentei não expressar nenhuma reação diante daquela polarização inadequada, inoportuna e estúpida. Meus olhos tensos procuraram suporte, porém os demais professores estavam inertes, deslumbrados com o eco dos aplausos, quando homenageados. Dei uma pausa na leitura para intimidar os baderneiros. Funcionou, até o meu reinício da leitura. Meus órgãos da visão ainda buscavam socorro, sem sucesso. Tive que apelar para minha autoridade solitária de professor. Enfrentei aquele fragmento de plateia. Lembrei do músico Sérgio Ricardo na noite de 21 de outubro em 1967, durante um Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, que quebrou seu violão no palco e o atirou em cima da multidão em alvoroço. Eu não tinha nada para quebrar e a minha situação nem era para tanto.

“Tudo bem, pessoal! Esta é a imagem que vocês querem deixar no final dessa jornada? Ótimo! Já gravei as faces imaturas, só peço mais cinco minutos para a conclusão”. Pulei para o último parágrafo. Depois de finalizar, duas alunas vieram para o palco homenagear este insignificante professor. Elas pediram desculpas em prantos pela postura dos colegas que pareciam animais recentemente libertados de jaulas. Me pediram para que eu observasse a postura da maioria dos alunos. Olhei para a plateia me certificando que a galera do barulho era desprezível. Os gracejos continuavam e ninguém veio ao nosso socorro. Abracei as meninas e choramos juntos.

Alguns segundos depois, coloquei a mochila nas costas e tentei sair à “francesa”, enquanto ia sendo atropelado por alguns alunos que nunca tinham entrado numa piscina. Contudo, antes de alcançar o estacionamento, uma fila longa de alunos não me deixou continuar com o meu plano de fuga. “Professor, o senhor não assinou a nossa camiseta”.

Elson de Souza Ribeiro
historiador, escritor e membro da União Brasileira de Escritores-Goiás