Paulo Martins, professor e escritor

Nas décadas de 80 e 90 também tínhamos nossas redes sociais. As mais conhecidas eram os papéis de carta, os papéis com frases que enrolavam as balinhas e o Caderno de perguntas e respostas. Não dependíamos da internet, o que tornava essas redes mais democráticas.

O Papel de carta, comprado em papelarias, não era barato. Mas o Caderno de perguntas poderia ser um daqueles que ganhávamos na escola pública, usado, com folhas sobrando. Quanto às balas, quase sempre que íamos até a venda comprar algo para as mães, éramos autorizados a comprar algumas com as moedas do troco.

Embora nunca utilizados para cartas, os papéis de carta eram febre na época; a finalidade era colecionar, apreciar e trocá-los. Vinham com imagens coloridas variadas: corações, ursinhos, flores, frutas, nuvens. Sensíveis e emotivos, alguns espalhavam cheiros de morango, tutti-frutti, laranja. O público principal era o feminino, mas sempre havia um garoto que se encantava com esses encartes, como eu, por exemplo; mas a regra era jamais assumir, já que o machismo era ainda mais evidente.

Nas tardes de sábado, sentados na área, na grama ou na calçada de alguma casa, nos reuníamos. Dentro de pastas com plásticos transparentes, as meninas exibiam a mais nova coleção. Elas apreciavam e trocavam os papeis umas com as outras. Nós, meninos, não tínhamos Papel de carta; mas, no posto de críticos, opinávamos, avaliávamos. Na verdade, o interesse mesmo não estava no objeto avaliado, mas nas donas do objeto.

Na tentativa de conquistar o crush, frases do tipo “Quer namorar comigo?”, “Essa noite sonhei com você”, “Não tiro você da cabeça” estavam nos papéis das balas da época. Na escola, nossos bolsos estavam cheios dessas balinhas. Ao receber, abrir o papel interno da bala e ler a frase, ficava aquela dúvida: Seria uma indireta? É mais do que amizade? Está pintando algo a mais?

Outras frases eram mais ousadas, como “Vem me tirar da solidão”, “Quero te beijar” “Manda bala nesse beijo”. Em resposta, recebíamos um sorriso tímido, ou carinhoso, às vezes até malicioso, o que desconcertava qualquer um.

Antes das balas, para um flerte, usávamos o Caderno de perguntas, o qual era entregue para as “amigas” responderem. Sem dúvida, no momento, era a melhor maneira para conhecer a fundo alguém. As perguntas variavam de caderno para caderno, de acordo com a criatividade do dono. As mais básicas eram: Qual seu nome? Signo? Melhor amigo? Filme? Do que mais gosta em você? Qual a sua maior qualidade e o pior defeito?

Mas as perguntas seguiam uma gradação, dos clichês para as mais apelativas, íntimas, certeiras, do tipo: O que mais te atrai em uma pessoa? Com quanto anos perdeu o B.V? Está gostando de alguém?

Ainda havia aquelas perguntas picantes, com a opção de responder ou não. Algumas do tipo: “Você é virgem?”, “Quem você gostaria de beijar?” No final, sempre terminava com as clássicas: “Quem você levaria para uma ilha deserta?” E, por fim, “Deixe uma mensagem para o dono do caderno”.

Tudo isso nos ensina algo, a internet é deslumbrante, contagiante, é tecnologia necessária, mas não faz o hoje melhor, mais saboroso do que o ontem. Assim como também não podemos afirmar que o antes foi melhor do que o agora.

Cada época tem seus encantos, sua magia. O segredo é viver melhor, como se cada instante fosse o último. Como reflete Machado de Assis, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Matamos o tempo; o tempo nos enterra”.

A propósito, aproveitando a situação, vou deixar aqui essas perguntas: Que livro levaria para uma ilha deserta? O que achou desta crônica?