O Brasil tem um rombo bilionário nas contas públicas. Estados e municípios atrasam salários de servidores e, sem dinheiro para necessidades básicas, ameaçam quebrar. Esse cenário de penúria acentuada, porém, não impediu que um partido como o nanico Patriota usasse R$ 260 mil do dinheiro público para comprar, à vista, uma Mitsubishi Pajero Sport zero km.Uma das mais minúsculas siglas da Câmara, com seis deputados, o Patriota (ex-Partido Ecológico Nacional) apregoa como bandeira a eficiência na gestão, com o menor gasto possível para a promoção de bens e direitos, e a "verdadeira austeridade fiscal com busca ao déficit nominal zero".A sua prestação de contas de 2019, porém, aponta a aquisição de cinco carros. Além da Pajero de R$ 260 mil, foram outros quatros veículos, a preços unitários de R$ 29 a R$ 124 mil. Ao todo, desembolsou R$ 644 mil de verba pública.O presidente da sigla, Adilson Barroso, justificou as compras dizendo que "toda empresa que queira ter resultado em seu trabalho tem que ter as ferramentas necessárias".O gasto é um dos exemplos de dispêndios luxuosos promovidos por várias das 33 siglas, que têm à disposição uma verba anual de cerca de R$ 1 bilhão (fundo partidário), além de outros R$ 2 bilhões a cada dois anos para gastos de campanha (fundo eleitoral).Como a Folha mostrou neste domingo (9), entre os gastos dos partidos há pagamento de salários de dirigentes, empresas vinculadas a eles, parentes, amigos e parlamentares que fracassaram nas urnas.A Folha analisou dados das prestações de contas partidárias de 2019 coletados e compilados pela ONG Transparência Partidária, nas três esferas, nacional, estadual e municipal.Dono da maior fatia do bolo, por ter tido o melhor desempenho na campanha para a Câmara em 2018, o oposicionista PT lidera os gastos em rubricas como viagens (R$ 1,57 milhão), propaganda (R$ 6,2 milhões) e advocacia (R$ 6,1 milhões). Já o rival PSDB foi o campeão de gastos com o pagamento de multas (R$ 709 mil) e pesquisas de opinião (R$ 1,48 milhão).O MDB do ex-presidente Michel Temer foi o que, nacionalmente, mais gastou no ano passado com eventos (R$ 5 milhões) e na rubrica de reforma ou aquisição de sedes próprias, em especial a do Ceará, terra do ex-tesoureiro da sigla e ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira (R$ 396 mil).O mais caro evento do partido foi a convenção nacional que elegeu o atual presidente, Baleia Rossi (SP), em outubro, tendo custado R$ 1,5 milhão.O PSD de Gilberto Kassab foi o que mais gastou com aluguel de imóveis, R$ 2,3 milhões.O Pros, investigado sob suspeita de desvio de recursos, também esbanjou. Foram R$ 307,5 mil para reforma ou aquisição de sede própria e R$ 155 mil para compra de um veículo. O partido criado em 2013 pelo ex-vereador de Planaltina de Goiás (a 60 km de Brasília) Eurípedes Júnior já havia se notabilizado em 2015 por gastar R$ 2,4 milhões de dinheiro público para comprar um helicóptero.O Republicanos foi o que mais gastou nas rubricas aquisição de equipamentos (R$ 1,2 milhão) e manutenção de imóveis (R$ 2 milhões)."As avaliações sobre a aquisição de bens ou serviços específicos pelos partidos, principalmente quando envolvem recursos públicos, devem sempre considerar fatores como o princípio da moralidade, a finalidade da atuação da instituição, a economicidade do gasto, eventuais conflitos de interesse e, finalmente, o porte e a estrutura da legenda em comparação com as demais", afirma o diretor-executivo da Transparência Partidária, Marcelo Issa."Como regra geral, no entanto, é possível afirmar que bens luxuosos ou supérfluos são em qualquer caso incompatíveis com os parâmetros."Outro ladoAdilson Barroso, do Patriota, justificou o gasto de R$ 644 mil com automóveis afirmando que "toda empresa que queira ter resultado em seu trabalho tem que ter as ferramentas necessárias para o mesmo".De acordo com ele, "aparece um valor mais alto do que de fato" se gastou pois "um dos veículos da legenda foi acidentado e o seguro devolveu o valor integral", que teria sido usado na transação."O carro de maior potencial, também não vejo nenhum problema, vendo que nosso país é um pais continental e de estradas ruins, e para não termos problema com o veículo em tantas viagens compramos um carro mais resistente", afirmou Barroso.O PT justifica os gastos de viagem e comunicação afirmando ter uma ampla estrutura, com 2,4 milhões de filiados, 27 diretórios regionais, 3.241 diretórios municipais, 27 regionais e 16 setoriais nacionais. "As políticas do partido são debatidas e definidas em processos de âmbito nacional porque o PT é de fato um partido de âmbito nacional com um projeto para o país", disse a assessoria de imprensa."Em 2019, além das reuniões ordinárias do Diretório Nacional em Brasília e São Paulo, foram realizados o 7º Congresso do PT e 16 encontros e reuniões nacionais de setoriais temáticos (mulheres, juventude, cultura, por exemplo), entre outras atividades com despesas de viagem e hospedagem", acrescentou.Sobre os gastos com advocacia, o partido disse que defende os direitos da população em 79 ações constitucionais no STF (Supremo Tribunal Federal) e "só neste ano ajuizou 48 ações em defesa da saúde pública ameaçada pelo governo na pandemia", além dos gastos judiciais decorrentes das eleições no país.A sigla do ex-presidente Lula disse ainda que defende o financiamento público dos partidos como conquista democrática. "A tentativa de desmoralizar e até criminalizar este modelo corresponde à visão autoritária de partidos financiados e privatizados por setores poderosos da sociedade. A informação correta faz mais pela democracia do que a elaboração de 'rankings' direcionados por organizações que nem sempre cumprem a transparência que pregam."O MDB disse, em nota, que os gastos não correspondem exclusivamente ao diretório nacional e que as despesas com eventos foram elevadas em razão da realização da convenção nacional, "ou seja, toda a infraestrutura necessária para realização de um evento nacional, na qual contou com a participação aproximada de 1.000 a 2.000 participantes".A Folha não conseguiu falar com Eunício Oliveira.O PSDB disse que as multas foram pagas com recursos próprios, não dinheiro público. Sobre as pesquisas, afirmou que faz parte da rotina de qualquer partido "buscar aferir (...) opiniões e posicionamentos da sociedade, especialmente quando este partido (...) governa cerca de 50 milhões de brasileiros".O PSD disse que gastos com aluguéis de imóveis servem para as atividades partidárias e reforça que tem ampla estrutura na maioria dos estados.A direção do Republicanos afirmou que mudou a localização de sua sede no início de 2019, para um local com espaço físico ampliado, "de modo a adequar às diretrizes futuras traçadas pela Comissão Executiva Nacional, bem como, às novas atividades de educação superior e cursos de extensão que serão praticados pela Fundação Republicana Brasileira". Para tanto, afirma, "investiu nesta mudança o valor total de R$ 988 mil, entre compra de mobiliário, equipamentos de informática e audiovisuais e outros".Em nota, o Pros afirmou que "é um dos partidos mais bem estruturados do país, com sede própria e um moderno parque gráfico que gera relevante economia na confecção de materiais para as campanhas"."Sobre o veículo, trata-se de uma van para transporte de funcionários e filiados para atividades partidárias. Cabe destacar que, ao adquirir esse novo veículo, o anterior foi vendido por cerca de R$ 90 mil", diz.