Embora a suspeita de pagamento de propina com recursos do Plansaúde estivessem no radar da Polícia Federal desde 2019, a compra de uma fazenda com 1.399,37.48 hectares em Mateiros, na região do Jalapão em julho deste ano, deu ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell a “inequívoca contemporaneidade” das ações do suposto grupo criminoso comandado pelo governador Mauro Carlesse (PSL), suficiente para levar ao afastamento do governador e seu sobrinho, o secretário Claudinei Quaresemin (Parceria e Investimento).Carlesse e o sobrinho são apontados na investigação como os principais responsáveis pelo esquema que pode ter desviado mais de R$ 30 milhões de recursos destinados ao pagamento de prestadores de serviço do Plansaúde (Plano de Assistência à Saúde dos Servidores) denunciado pelo médico Luciano Teixeira, e que resultou na Operação Hygea, uma das operações policiais deflagradas do dia 20 de outubro.A suposta prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, investigada pela PF no caso Plansaúde, alcança ainda a ex-secretária executiva do Tesouro, Dilma Caldeira de Moura, a ex-assessora especial do governador, Thaís de Carvalho Costa, esposa do ex-secretário de saúde, Luiz Tolini, o ex-diretor do Plansaúde e o ex-secretário executivo da Administração, Ineijaim José Brito Siqueira.Também inclui o ex-assessor de Gabinete da Secretaria de Estado da Educação, Juventude e Esportes Rodrigo Assumpção Vargas, o "Rodrigo Bolinha" e empresários, além do empresário Benedito Dilson dos Santos Gomes, o "Benedito Papinha", os irmãos comerciantes Rômulo Bueno Marinho Bilac e Júlio Kener Marinho Bilac, este dono de uma das empresas investigadas pela Polícia Federal. Também são alvos conhecidos outros três empresários, Igor Prado Silva Santos, Fernando Noleto Monteiro e Ramos e Farias e Silva.Em uma decisão sobre o caso, de 90 páginas, o ministro destaca a informação da Polícia Federal da compra da fazenda no dia 27 de julho deste ano pela empresa Maximus’s Participações. Mauro Carlesse era como sócio-diretor da empresa junho de 2019. Nesta data, deixou a empresa para a entrada de Erick de Oliveira Araújo.Araújo é advogado e empregado com salário de R$ 13 mil mensais pagos pela Maximus’s. Filho de José Edmar de Araújo, de quem é sócio em, pelo menos, mais três empreendimentos, conforme apurado pelo JTO na ferramenta CruzaGrafos, da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).Ele ingressou no comando da Maximus no mesmo dia em que Carlesse deixava o quadro societário da empresa, 27 de junho de 2019. Nesta data, Carlesse saiu da composição para a entrada de Erick de Oliveira Araújo.Erick Araújo concretizou a compra da fazenda do médico veterinário Flavio Honorio de Oliveira. Pagou por cada hectare o valor de R$ 1.472,09 totalizando o valor de R$ 2.060.000,00.Assim que fecharam a compra e a escritura nº 2216 teve registro inscrito no livro 375, folhas de 154 a 165 no 2º Tabelionato de Palmas, o governador anunciou o repasse de recursos para a construção de um aeroporto no Jalapão.“Portanto, a decretação de medidas cautelares diversas da prisão, em especial, a suspensão do exercício da função pública do senhor Mauro Carlesse, governador do Estado do Tocantins é de fundamental importância, já que, na condição de Chefe maior do Estado possui poder de comando e de controle em toda a estrutura administrativa, capaz de frustrar ou dificultar a execução das demais medidas cautelares determinadas nesta decisão”, escreve o ministro.O ministro destaca a previsão legal para o afastamento cautelar de agente público, ainda durante a investigação, quando há indícios suficientes da participação do alvo em organização criminosa. Carlesse acabou afastado por decisão unânime da Corte Especial do STJ ao referendar a cautelar dada pelo ministro Campbell.Decisão cita movimentação financeira de CarlesseA decisão de Campbell não vincula diretamente o dinheiro suspostamente desviado do Plansaúde para a compra da fazenda em Mateiros. Apenas indica que pode haver várias fontes ilegais do recurso.O ministro cita informação do Ministério Publico Federal de que o Plansaúde pagou mais de R$ 561 milhões a fornecedores - que tinham valores a receber acima de R$ 1 milhão - entre 1º de janeiro de 2018 a 10 de novembro de 2020. Desse valor, o órgão estima que mais de R$ 30 milhões podem ter sido desviados pelo suposto esquema revelado na Operação Hygea.Ainda de acordo com o Ministério Público Federal, em trecho citado pela decisão do ministro, somente nos dois anos iniciais do governo de Carlesse, o pagamento de propina por meio da dissimulação de serviços e fornecimento de insumos com notas fiscais frias, repassaram mais de R$ 2.215.230,08 de propina em benefício ao suposto grupo criminoso.Conforme a PF, o esquema funcionava com o diretor do Plansaúde barrando pagamentos por meio de globas (corte) de valores. Os operadores financeiros e servidores públicos ajustavam os percentuais de “propinas” a serem pagas pelas empresas de saúde credenciadas no Plansaúde. A transação financeira ocorria por meio de notas falsas emitidas nos valores dos cheques pagos por fornecedores que envolviam falsas prestação de serviços ou falsa venda de insumos para o fornecedor. Assim que o dinheiro entrava em conta de empresas indicadas pelos operadores, a nota fiscal era cancelada.A denúncia só veio à tona a partir do momento em que sócios do Hospital Oswaldo Cruz se recusaram a pagar o “pedágio” quando o percentual chegou a 20%. Segundo a decisão do ministro, a cobrança de propina variou de 4% a 20% sobre cada nota paga pela administração.Conforme a decisão, um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) elaborado para a investigação aponta que os alvos da operação justificavam a grande movimentação de dinheiro em espécie por meio de comercialização de gado.Segundo o ministro, a Polícia Federal consultar as guias de transporte animal e constatou que eram emitidas em favor dos próprios investigados, o que indicava que não houve a venda de gado, ou não foram emitidas.Outra empresa supostamente usada para essa movimentação é a MJE Empreendimentos e Participações, que tem como diretora comercial a ex-esposa de Carlesse, Fernanda Brito de Mendonça Carlesse.O ministro cita uma análise do Ministério Público Federal, de Relatórios de Inteligência Financeiras do COAF que aponta movimentação de R$ 9.581.800,54 nas contas da MJE, entre maio de 2018 a 7 de janeiro de 2021, “o que denota a possível prática do crime de lavagem de dinheiro”, segundo cita a decisão.Outro ladoPela defesa de Mauro Carlesse, o advogado Juvenal Klayber optou por não se manifestar por ter tido acesso somente a parte do inquérito e não de forma integral. Ele peticiou ao ministro Campbell para ter acesso total aos inquéritos que motivaram as operações. "Sem êxito até a presente data", afirma. O JTo também procurou o advogado Erick Araújo e assim que receber manifestação a matéria será atualizada. A advogada de Thaís Costa afirma que a cliente "se reserva no direito de prestar as devidas informações e esclarecimentos às autoridades competentes".O JTo não conseguiu contato com as defesas dos demais citados. O espaço está aberto para as manifestações.-Imagem (1.2343024)