Além do uso da estrutura da Secretaria da Segurança Pública (SSP) para suprimir inquéritos policiais que atingiam o núcleo duro do governo de Mauro Carlesse (PSL), afastado do Palácio Araguaia desde 20 de outubro por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um inquérito da Polícia Federal aponta que a Casa Militar tentou produzir um dossiê de 12 delegados da Polícia Civil, considerados “adversários” do governador.Essa parte da investigação aparece na Operação Éris que mira o braço da suposta organização criminosa imputada ao governador afastado que aparelhou a Segurança Pública para obstruir investigações de combate à corrupção, baixar normas como "manual da mordaça" e remover ilegalmente os delegados responsáveis por inquéritos de combate à corrupção que atingiam membros da cúpula do governo Carlesse.Relatórios da Operação, analisados pelo Jornal do Tocantins, mostram que um dos alvos da Operação Éris, no dia 20 de outubro, era o chefe da Gerência de Inteligência da Casa Militar, major da Polícia Militar Rudson Barbosa. A Polícia Federal o localizou na Academia da Polícia Militar em São Paulo. Barbosa teve celular e notebook apreendidos e disse ao delegado Diogenes Perez de Souza, a quem prestou depoimento na Delegacia de Polícia Fazendária da Superintendência Regional da PF na capital paulista, que a encomenda do dossiê partiu da Casa Militar.Segundo o depoimento, há cerca de um ano o coronel Silva Neto, Chefe da Casa Militar (atual comandante-geral da Polícia Militar), apresentou uma lista com o nome de 12 delegados de polícia civil, ligados ao combate à corrupção, e que seriam politicamente contrários ao governador. O major revelou que Silva Neto pediu ao declarante que buscasse informações a respeito dos delegados e Barbosa “entendeu que estivesse fazendo referência a informações que pudessem politicamente ser usadas contra estes delegados”.O major negou que tenha feito a encomenda. Segundo depôs à PF, no dia seguinte ele procurou o chefe disse que não poderia realizar o serviço por entender que “não seria adequado”. Segundo disse ao delegado, achava a “inadequada” a atitude de investigar colegas de profissão em assuntos políticos e “questionável ética e administrativamente”. Nas palavras do major, seu chefe concordou com a negativa e disse que o “assunto havia morrido”.Rudson garantiu à PF que nunca recebeu demanda para investigar “desafetos políticos” do governo, mas reconheceu que seu trabalho incluía acompanhar “redes sociais e informações de mídia de pessoas de grupos contrários ao governador para mapear possíveis ameaças à segurança” de Carlesse. Ele garantiu que não “produz qualquer informação de cunho político ou ideológico”.Perseguição a delegados é parte do inquérito da Operação ÉrisNo depoimento à PF, o major não disse quais os nomes dos 12 delegados que seriam investigados, mas desde 2018, todos os delegados que combatiam a corrupção e comandaram investigações contra aliados de Carlesse sofreram perseguição.Segundo a PF, desde o mandato tampão de Carlesse, entre 9 de julho de e 31 de dezembro de 2018, em menos de cinco meses de gestão, a suposta organização criminosa "já agiu de forma agressiva para interferir na Polícia Civil" quando as apurações atingiram integrantes do mesmo grupo político do governador afastado.De acordo com os investigadores, uma das primeiras perseguições é a exoneração do delegado de polícia civil Bruno Boaventura Mota do cargo de delegado regional de Araguaína.A saída do delegado ocorreu após atuação da unidade policial comandada por ele contra o deputado Olyntho Neto (PSDB), aliado político e líder do governo na Assembleia Legislativa. A exoneração ocorreu dia 16 de novembro de 2018, quatro dias após a Operação Expurgo atingir a família do parlamentar, segundo a PF.A exoneração de Bruno e mais 11 delegados, no total, levou a cúpula da Secretaria da Segurança Pública a entregar os cargos o que abriu brecha para a nomeação de Cristiano Sampaio Barbosa como secretário, no dia 1º de janeiro de 2019. Barbosa também consta na lista dos afastados pelo STJ, depois exonerado pelo governador interino, Wanderlei Barbosa.Um ano depois, em novembro de 2019, o governo editou a Medida Provisória nº 18, no dia 5 daquele mês, criando 177 funções comissionadas na Polícia Civil para os delegados de polícia. Para a PF, a partir da MP, “não havia mais a barreira da garantia funcional da inamovibilidade e nem inconveniente da motivação para a prática do ato que iria acarretar uma remoção”.No dia seguinte, 126 delegados acabaram designados para funções comissionadas, ou 75% dos 172 existentes naquele mês. Para a PF, as mexidas tiveram o propósito de promover a substituição dos delegados de polícia lotados na Divisão Especializada de Combate à Corrupção (DECOR). Antiga Dracma (Delegacia de Repressão a Crimes de Maior Potencial contra a Administração Pública), na Decor atuavam os delegados como Guilherme Rocha Martins e Gregory Almeida Alves do Monte. Eles eram responsáveis por investigações como Via Avaritia, de desvio de recursos em obras públicas e abriram, no mesmo dia em que foram removidos, um inquérito para apurar as denúncias de cobrança de propina no Plansaúde (Plano de Saúde dos Servidores Públicos).Para a PF, as remoções de 2019 interromperam, tumultuaram e embaraçaram “as investigações futuras e em curso em face de Claudinei Aparecido Quaresemin, um dos líderes da ORCRIM, bem como realizar o controle político sobre as demais investigações em trâmite naquela unidade, que possivelmente também alcançariam futuramente, o Governador do estado, visto que sua figura em muito se confunde com a de seu sobrinho Claudinei.”Outro ladoOs telefones atribuídos ao major Rudson, fornecidos pelo governo estadual, não completavam a ligação. A defesa de Mauro Carlesse e Claudinei Quaresemin alegam que só se manifestarão quando tiverem acesso integral aos processos que investigam seus clientes.O chefe da Casa Militar enviou a nota abaixo:“Em resposta a este veículo de comunicação, o Cel QOPM Julio Manoel da Silva Neto, Comandante Geral da PMTO, esclarece os seguintes pontos:De acordo com a Lei nº 3.421 de 08/03/2019, art. 16, inciso I, alínea a, compete à Casa Militar, órgão ligado diretamente à Governadoria, entre outras atribuições: "realizar a segurança pessoal do Governador, do Vice-Governador e de seus respectivos familiares, bem assim de dignitários, quando determinado pelo Chefe do Poder Executivo e coordenar as atividades de inteligência e segurança da informação e comunicação;Isto posto compete a Casa Militar atribuições relativas ao levantamento de informações, com objetivo de salvaguardar a integridade física e moral do Governador do Estado e seus familiares, não se confundindo com atribuições de caráter investigativo, competência esta da Polícia Civil, a nível de Estado".