Preso por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) chega ao ano eleitoral mantendo a liderança da direita em seu sobrenome.

Isolado em uma sala da Polícia Federal em Brasília, o ex-presidente, que acumula uma série de problemas de saúde, transfere o capital político ao seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), anunciando-o candidato ao Planalto em 2026.

Bolsonaro exaure, de maneira precoce, suas estratégias eleitorais, espantando a traição que sempre o atormentou.

"Bolsonaro esquentou a militância quando indicou Flávio à presidência", afirma a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), apoiadora do ex-mandatário na Câmara.

"O nome do Flávio causou surpresa, porque ninguém esperava naquele momento. As pessoas diziam que um familiar seria o vice. Deu um gás muito grande na militância."

De fato, o anúncio ocorreu de supetão, no início do mês. Desde então, essa novidade foi interpretada com a desconfiança de quem apostava na desistência de Flávio —a candidatura seria tão somente para recuperar a relevância política depois do episódio da prisão— ou com seriedade.

Afinal, a pesquisa Quaest mais recente mostra o senador, com 23% das intenções de voto, à frente do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), que tem 10%, contra o presidente Lula (PT), somando 41%.

Na visão de Kicis, o fortalecimento da candidatura de Flávio se explica por ele estar sempre na mídia, em reuniões com empresários e representando o ideário bolsonarista. "Ele mostra que a disputa para 2026 vai ser por dois caminhos, um pela prosperidade e segurança pública e outro pelo caos", diz a deputada.

Em paralelo, Bolsonaro acumula uma série de problemas de saúde.

Na véspera do Natal, ele operou uma hérnia inguinal (região da virilha). Ao mesmo tempo, continua a ter crises de soluço, em decorrência das diferentes cirurgias intestinais que fez por causa do episódio da facada, nas eleições de 2018. Ele segue internado em Brasília sem previsão de alta.

Enquanto o ex-mandatário cumpre pena de 27 anos, outra pessoa de sua família, além de Flávio, mobiliza a militância: a presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro.

Popular no segmento evangélico, a ex-primeira-dama é cotada para a chapa bolsonarista. Ela, porém, não foi indicada até aqui pelo seu marido. Kicis diz que Michelle nunca se posicionou como presidenciável, devendo se candidatar ao Senado.

A conjuntura se completa, enfim, com o elenco de governadores que postula um mandato presidencial, o favorito deles, Tarcísio. Com Flávio no pleito, a candidatura seria de centro-direita, uma terceira via.

Professor de ciência política da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Paulo Henrique Cassimiro diz que, ao indicar o filho Zero Um, Bolsonaro esvazia outros nomes e mostra não querer perder o poder, mesmo em caso de derrota para Lula.

Trata-se, segundo Cassimiro, de um último recurso do ex-presidente, evitando que um aliando surrupie a sua liderança.

"A mobilização de Bolsonaro nas ruas diminuiu bastante, mas ele tem um capital eleitoral. O nome Bolsonaro vai ter um peso na eleição, mesmo que ele não tenha mais controle da agenda da direita", diz.

Também professor de ciência política, Leonardo Belinelli, da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), afirma que, até o momento, as condições não foram favoráveis para o ex-presidente capitalizar politicamente a sua prisão.

Nesse contexto, corre o risco de perder a imagem viril que tanto lutou para construir. Belinelli admite, porém, que sua estratégia de anunciar Flávio para as eleições tem dado certo no atual momento político.

Preterir Michelle, segundo o professor, tem a ver com uma das bases do projeto bolsonarista: a preferência pelo laço sanguíneo.

"Michelle conseguiu construir mesmo um caminho próprio, relativamente desvinculado de Bolsonaro. O trabalho que ela faz com o PL Mulher, em diálogo com evangélicos, sinalizou uma diferenciação interna nesse grupo político", diz Belinelli.

Bolsonaro chega ao ano eleitoral enfraquecido, mas com esperança em Flávio

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Eleições 2026

Após uma forte crise de soluços na última semana, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi submetido a um procedimento médico para aplacar os sintomas. No sábado (27), foi realizado o bloqueio do nervo frênico direito e a intervenção no lado esquerdo deve ocorrer nesta segunda-feira (29).

A previsão, segundo o hospital DF Star, em Brasília -onde Bolsonaro está internado desde a semana passada para operar uma hérnia-, é de que o bloqueio esquerdo seja realizado no início da tarde.

<h2>O QUE É O NERVO FRÊNICO</h2>

Há dois nervos frênicos, um de cada lado do corpo. Eles se originam na região cervical e descem até o diafragma, músculo localizado no tórax usado na respiração.

O nervo frênico é o principal responsável por controlar o diafragma. Soluços são causados por contrações involuntárias e repetidas do diafragma, causando o fechamento da glote (a "tampa" da laringe, que regula a passagem de ar pelo pulmão) e gerando o som característico.

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<h2>COMO FUNCIONA O BLOQUEIO DO NERVO FRÊNICO</h2>

O bloqueio médico desse nervo -feito com a aplicação local de anestésico e, opcionalmente, outras medicações- interrompe temporariamente os impulsos nervosos que estão provocando os espasmos do diafragma.

O procedimento é usado em casos graves de soluços persistentes, que não melhoram com medicamentos. Segundo a equipe médica de Bolsonaro, a medida foi adotada após uma alta dose de medicação não ter amenizado os sintomas, que estariam ocorrendo diariamente há meses.

O bloqueio não é uma cirurgia. Com o paciente sedado, o nervo é localizado por meio de um ultrassom. Então, é realizada uma punção, por onde é aplicado o anestésico -e, no caso do ex-presidente, também um medicamento corticóide, para prolongar os efeitos da intervenção.

<h2>QUAIS OS RISCOS DO PROCEDIMENTO</h2>

Como o diafragma está envolvido na respiração, tanto a frequência cardíaca como o nível de oxigenação do sangue do paciente são monitorados durante e após o procedimento. Também por esse motivo, o bloqueio é realizado em duas etapas, evitando um impacto indesejado.

De acordo com o radiologista intervencionista Mateus Saldanha, que realizou o procedimento em Bolsonaro, a ocorrência de falta de ar pode ser um dos efeitos colaterais do procedimento.

"Ao bloquear o diafragma, a pressão abdominal pode subir e comprimir a cavidade torácica", explicou o médico em coletiva de imprensa no sábado.

Além disso, há o risco de, inadvertidamente, em vez de bloquear o nervo frênico, a medicação atingir o plexo branquial, rede nervosa que controla os membros superiores, afetando os movimentos das mãos e braços.

<h2>QUAL É O PRAZO PARA A ALTA MÉDICA</h2>

Não é possível saber com certeza a data da alta médica antes da realização do procedimento. A previsão, no entanto, é que o paciente fique ao menos 48h em observação após a realização do bloqueio, segundo Claudio Birolini, cirurgião que integra a equipe médica do ex-presidente.

Assim, se a evolução do quadro de saúde de Bolsonaro for satisfatória, ele deve deixar o hospital na quarta-feira (31).

Na sequência, retornará à carceragem da Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, em Brasília, onde cumpre pena por tentativa de golpe de Estado.

O ex-presidente passa por procedimentos médicos frequentemente devido à facada da qual foi vítima durante a campanha eleitoral de 2018. Em abril deste ano, por exemplo, o político foi submetido a uma operação de 12 horas para desobstrução intestinal.

Entenda o procedimento que deve ser feito nesta segunda para tratar crise de soluços de Bolsonaro

Bloqueio

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), apontou o risco de fuga para o exterior como "modus operandi" para determinar neste sábado (27) a prisão domiciliar de dez condenados pela trama golpista.

Como exemplo, ele citou os casos de Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no governo de Jair Bolsonaro (PL), e de Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF (Polícia Rodoviária Federal).

A decisão de Moraes foi tomada um dia depois da tentativa de fuga de Silvinei.

O bolsonarista foi detido no Paraguai na sexta-feira (26), quando tentava embarcar em um voo para El Salvador utilizando um passaporte falso. Ele levava uma carta, na qual dizia ter câncer no cérebro e não conseguir escutar ou falar e que viajaria para fazer um tratamento médico.

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O ex-diretor da PRF foi transferido para Brasília neste sábado para cumprir prisão preventiva, tendo desembarcado na capital federal no início da tarde. Ele está preso na Papudinha, unidade da Polícia Militar no Distrito Federal, desde pouco antes das 16h.

A defesa de Silvinei tinha solicitado que ele fosse levado para Papudinha, caso Moraes negasse o pedido para que o ex-diretor da PRF fosse mantido preso em Santa Catarina, preferencialmente em São José ou Florianópolis, onde possui "vínculos familiares, sociais e profissionais consolidados".

Silvinei foi condenado a 24 anos e seis meses de prisão pela Primeira Turma do STF como participante de um dos núcleos da trama golpista do governo Bolsonaro. Ele aguardava o fim da tramitação do seu caso em liberdade, monitorado por tornozeleira eletrônica.

A Polícia Federal detectou uma falha no monitoramento da tornozeleira eletrônica de Silvinei às 3h do dia 25 de dezembro. Horas antes de romper o aparelho, ele organizou seus pertences. Vestindo calça de moletom, camiseta e um boné, o ex-diretor da PRF levou bolsas, tapetes higiênicos para cachorros e um pitbull até o veículo alugado, que seria usado para deixar Santa Catarina em direção ao Paraguai.

No despacho, Moraes também citou o caso de Ramagem, ex-deputado federal que teve o mandato cassado após a condenação pela trama golpista. Ele está foragido nos Estados Unidos.

"O modus operandi da organização criminosa condenada pelo Supremo Tribunal Federal indica a possibilidade de planejamento e execução de fugas para fora do território nacional, como feito pelo réu Alexandre Ramagem, inclusive com a ajuda de terceiros", escreveu no documento.

Segundo o despacho, a manutenção de Ramagem em Miami tem sido possibilitada com apoio de parte dos investigados, que tem auxiliado "o foragido a ludibriar as autoridades americanas com

documentos falsos a fim de obter a chamada driver license (carteira de motorista)."

A decisão de Moraes atinge dez condenados pela trama golpista. Os mandados foram cumpridos na manhã deste sábado pela PF no Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Goiás, Bahia, Tocantins e Distrito Federal.

O objetivo era evitar tentativas semelhantes de fuga de condenados que ainda não cumprem prisão por não terem esgotado recursos. Em casos em que há envolvimento de militares, houve apoio do Exército.

Em Ponta Grossa (PR), policiais estiveram na casa do ex-assessor internacional da Presidência Filipe Martins, para comunicar a decisão. Ele já usava tornozeleira eletrônica, mas sua autorização para sair de casa durante o dia foi revogada.

O presidente do Instituto Voto Legal, Carlos César Moretzsohn Rocha, um dos dez alvos de prisão, não foi encontrado pelos agentes da PF e foi considerado foragido.

Rocha foi um dos réus do chamado "núcleo 4" da trama golpista investigada pelo STF, relacionada a tentativas para questionar o resultado eleitoral e disseminar desinformação sobre as urnas eletrônicas de 2022.

A lista envolve ainda ex-membros do Exército. Além de Rocha, os outros alvos são: Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major do Exército; Ângelo Denicoli, major da reserva do Exército; Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército; Fabrício Moreira de Bastos, coronel do Exército.

Também são alvos Giancarlo Rodrigues, subtenente do Exército; Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel do Exército; Marília Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça; e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel do Exército.

Moraes aponta 'modus operandi' sobre risco de fuga para ordenar domiciliar a condenados

Mesmo inelegível, preso e com problemas de saúde, Jair Bolsonaro (PL) segue citado nas pesquisas sobre prováveis candidatos a presidente da República em 2026 à frente de outros nomes também da direita. Esse legado eleitoral, o ex-presidente tenta transferir ao filho, o senador Flávio, o 01, que se lançou pré-candidato.

Quando presidente, Bolsonaro encarnou o “mito”, o “imbroxável”, o “capitão”, o “machão”, alcunhas que explicitam enaltecimento de uma potência que contrasta com a imagem de fragilidade atual.

Mais do que isso, recusou vacina durante a pandemia, fez elogios a torturadores da ditadura militar e ostentava como mérito a postura machista, nas muitas vezes em que desrespeitou e ofendeu mulheres, com deboche.

Hoje, condenado por liderar tentativa de golpe de estado, entre outros crimes, e preso, após alegar surto ao tentar violar a tornozeleira eletrônica, é por meio de recados que se mantém no jogo político, tendo como intermediários a mulher Michelle, os filhos e aliados próximos.

A tentativa de recorrer ao governo dos Estados Unidos para pressionar instituições e autoridades brasileiras por anistia a Bolsonaro e a condenados pelos ataques do 8 de janeiro não foi bem-sucedida. Articulada nos EUA pelo então deputado federal Eduardo Bolsonaro e outros militantes bolsonaristas, a estratégia fracassou com o recuo do presidente Donald Trump na imposição de tarifaço a produtos brasileiros e outras sanções.

Esses episódios acabaram favorecendo diálogo entre Trump e o homólogo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E Eduardo teve seu mandato cassado, no último dia 18, por excesso de faltas às sessões da Câmara.

Diante desse cenário desfavorável a seu líder máximo, como fica o bolsonarismo? O que se pode esperar desses apoiadores para 2026, ano de eleições? A polarização perde ou ganha força, considerando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca a reeleição e é repudiado por bolsonaristas?

Para responder essas e outras questões, traçando um perfil coletivo dos seguidores de Bolsonaro a partir dos valores e estratégias que sustentam inabalável convicção de que estão nas fileiras das “pessoas de bem”, em defesa “da família, da pátria e de Deus”, com evidente apelo religioso, O POPULAR convidou dois especialistas, o cientista político e professor da PUC Goiás, Pedro Pietrafesa, e o psicanalista, psicólogo e mestre em psicologia pela UFG, com pesquisa em clínica psicanalítica e angústia, André de Paulo Duarte.

&nbsp;&gt; Legado bolsonarista

&nbsp;O Pedro Pietrafesa - que as pesquisas estão indicando, como a Quaest, é que, de fato, essa influência do Bolsonaro, do bolsonarismo, continua persistente com o pré-lançamento do Flávio Bolsonaro. Mesmo que tenha sido condenado por golpe de Estado, e têm outras denúncias que ele vai responder em seguida, que ainda tramitam no Supremo Tribunal Federal, para esse grupo de eleitores bolsonaristas, isso pouco importa. Muitos falam até de perseguição política, até concordam com a tentativa de golpe. Então, se tivesse dado golpe, teria tido apoio dessa parte da população brasileira e o fato de ter sido condenado pouco impacta na popularidade dele para esse eleitor, tanto é que governadores de direita estavam ali atrás do Bolsonaro, falando em indulto para Bolsonaro, justamente para tentar conquistar esse eleitor bolsonarista, numa demonstração de fidelidade ao ex-presidente mais por conta dos eleitores do que por conta da própria pessoa em si. A gente vê que persiste bastante essa força eleitoral junto a esse extrato da sociedade que o Flávio Bolsonaro está herdando do pai dele.

André Duarte - Sendo a identificação um dos principais mecanismos de força e adesão do bolsonarismo, podemos dizer que o eleitor que votou em Jair Bolsonaro não votou pelo que ele prometeu fazer pelo país, mas pelo que ele fez ao ocupar um lugar simbólico e imaginário para as pessoas. Ele sempre tocou em pontos sobre masculinidade, virilidade, potência, sujeição das mulheres, o que permitiu com que, numa sociedade em que essa figura caricata do “macho” está sendo cada vez mais problematizada e questionada, as pessoas pudessem encontrar nele uma espécie de alívio e autorização para continuarem performando como antes ou mesmo recuperarem essas insígnias. O que quero dizer é que o bolsonarismo nunca teve sequer a pretensão de ser um programa de governo, mas sempre funcionou como uma espécie de autorização de um modo de vida. Quando Jair Bolsonaro, presidente, fazia em rede nacional, uma piada homofóbica ou um gesto violento, ele estava limpando a consciência do seu eleitor. É como se ele dissesse: “Sua vontade de excluir o diferente não é um pecado, sua vontade de ser estúpido e violento não é ultrapassada, tudo isso é legítimo, tá okay?”. O ponto em que quero chegar é que isso tudo pode ter criado uma fidelidade que condenação nenhuma desfaz, porque quando alguém defende Bolsonaro enquanto político, ele está defendendo, no fundo, o seu próprio “direito” de ser tão estúpido quanto aquele ao qual ele se identifica, sem a censura moral e sem a pressão da sociedade para que não seja. Então acho que o bolsonarismo enfrentará agora um grande desafio: como continuar a dar corpo às identificações que o constituem, sem o próprio Jair Bolsonaro? O seu sucessor, qualquer que seja, conseguirá assumir essa figura sem deixá-la cair na figura do político tradicional? Ou a estratégia será sempre fazer referência a um pai injustiçado por sua suposta autenticidade?

&gt; Perfil espelha apoiadores

&nbsp; Pedro Pietrafesa - Esse perfil do “imbroxável”, do desrespeitador de mulheres, diz muito de quem é esse público do bolsonarismo, inclusive de mulheres que acreditam que essa é a forma correta como o homem tem que se comportar. Um conservadorismo, com valores do século 19, ainda é persistente para uma parte da população brasileira que tem esses valores bastante arraigados em homens e em algumas mulheres também. Isso que é o mais preocupante, que mulheres tenham esse tipo de valor que prega ofensas, que o homem pode fazer qualquer tipo de ações misóginas e que está tudo bem, que isso é o correto do comportamento da sociedade em que se vive. Esse é um pouco do reflexo que a gente vê, por isso que a família Bolsonaro e pessoas com essa visão de mundo têm uma força eleitoral muito forte no Brasil, em Goiás, mas no Brasil de um modo mais geral.

André Duarte - Celebrar jargões como “imbroxável”, “incomível”, “imorrível”, a tortura e a violência contra mulheres, é no mínimo expor a concordância com um jeito particular de pensar, de como as coisas deveriam ser num mundo ideal. Podemos pensar que um líder não é necessariamente uma pessoa, mas um espaço vazio que serve como depósito dos desejos da massa que o segue. Isso quer dizer que Jair Bolsonaro serviu para dar corpo a toda sorte de fantasias viris, por mais questionáveis que sejam. Por outro lado, acho que o que acontece no bolsonarismo está um passo além, porque não são só fantasias sexuais sobre um desejo recalcado que estão em jogo, não é só fantasiar a potência de ser imbroxável, ou a suposta virilidade de ser incomível, etc. - até porque muitas vezes o que se percebe é que as fantasias sexuais funcionam no contraditório, por exemplo, um homem que tem uma rigidez em conteúdos homofóbicos pode, no seu íntimo, desejar homens ou curtir inversão de papéis, entende? Acho que o que está em jogo no bolsonarismo e que o deixa extremamente perigoso e inaceitável, é a maneira sistemática com que se propõe cultuar o ódio e a barbárie. É a não aceitação das diferenças. E tudo isso de uma maneira muito cínica.

&nbsp;&gt; “Mito” agora frágil

&nbsp;Pedro Pietrafesa - O que vão tentar fazer com relação a essa imagem de pessoa que teve surto, de uma pessoa um pouco mais frágil? Vão dizer que é uma pessoa que está sendo perseguida e que por isso está tendo as consequências psicológicas da perseguição. A ideia de macho, de machão, vai continuar aparecendo, mas como um machão na percepção que ele tem dessas prerrogativas de poder surtar, de poder ter alguns lapsos de fragilidade. O que eles vão vender, o que o bolsonarismo vai vender, é justamente isso. Qualquer demonstração de fragilidade é fruto dessa percepção que eles vão chamar de, entre aspas, sistema, que está jogando contra a liderança desse grupo político.

&nbsp;André Duarte - Ninguém melhor para trabalhar essa estética do “macho”, do que uma esposa “bela, recatada e do lar”. Vou me permitir contar uma história em tom de brincadeira. Lacan disse em certa altura de seu ensino que, para a criança, o nome do pai só poderia existir da boca da mãe, e isso quer dizer que esse operador lógico dependia exclusivamente de como a mãe referenciava o seu desejo em relação a ele. O nome do pai viria em substituição ao desejo da mãe. Acho que essa historinha, de alguma forma, cabe aqui também, porque Michelle é peça chave para manter o nome de Bolsonaro ativo simbolicamente. Acho, sinceramente, que com base nisso, os filhos não têm esse “poder”. E espero também sinceramente, que eles não saibam disso - ou não levem isso em consideração. Brincadeiras à parte, acho que existem dois pontos mais óbvios. O primeiro tem a ver com a falência do simbolismo que o corpo de Bolsonaro carregava, não por ser um corpo de atleta como ele gostava de dizer, mas por ser o depositário das fantasias viris de seus seguidores, no que isso tem a ver com a potência de gerir narrativas de ódio e violência. Esse que foi um dos principais elementos de sedução do Bolsonaro, perde a força. Um corpo adoecido e fragilizado, em tese, não suporta esse tipo de destino simbólico-imaginário. O que pode acontecer é um desinvestimento afetivo. O segundo tem a ver com a narrativa de vítima e do sacrifício. Ele pode ganhar força com a ideia de mártir, de um macho extremamente potente que se sacrificou pela nação e foi vitimizado pelo sistema. O que, aliás, já está fazendo há um tempo, e tende a fazer ainda mais.

&nbsp;&gt; “Psique bolsonarista”

Pedro Pietrafesa - Pode-se dizer que tem uma psique bolsonarista. Isso foi sendo construído ao longo do tempo. Teve força em 2018 para poder eleger Bolsonaro, mas isso já vinha sendo construído por meio das redes sociais. Então, qualquer absurdo, qualquer tipo de teoria da conspiração, qualquer tipo de forma de pensar a sociedade, ela já vem sendo plantada para que não só a família Bolsonaro, mas aqueles que se referiam a esse grupo político, eles possam dizer de forma coordenada as mesmas coisas. Essa ideia de família, pátria, Deus, ter um inimigo comum, imaginário, um comunismo, um grupo comunista que vai implantar algum regime maldoso aqui no Brasil, qualquer tipo de formas de pensamento mais progressistas que a sociedade pode ter, isso é extremamente combatido por essa psique que a família Bolsonaro e seu grupo político têm construído, porque não é só a família Bolsonaro, há uma série de atores políticos que aproveitaram a permeabilidade desse discurso extremamente conservador, danoso à sociedade brasileira. Eles também aproveitaram para ser eleitos. O PL, por exemplo. O Valdemar Costa Neto (presidente do partido) visualizou dentro dessa psique bolsonarista a possibilidade de o PL crescer e foi o que aconteceu nas eleições de 2022. Apesar de Bolsonaro perder as eleições presidenciais, o PL conseguiu eleger 90 parlamentares, que é uma quantidade expressiva de deputados tendo em vista a fragmentação do nosso sistema partidário. Essa psique é o que faz ter essa veneração à figura do Bolsonaro. Independentemente do que aconteça, do que ele faça, as pessoas, os seus eleitores vão manter essa fidelidade à figura do Bolsonaro. Por isso que ele tem essa predominância no que se refere à indicação do que seria o próximo candidato da direita, da extrema direita, às eleições presidenciais de 2026.

André Duarte - Acho que não se pode falar especificamente de uma psique bolsonarista, mas de uma gramática comum que organiza algumas questões subjetivas como desejo, medo, gozo. Numa perspectiva psicológica, acho que novamente entra em jogo a questão da identificação. Tem-se um líder que funciona como um espelho e que reflete a versão mais “corajosa” ou “melhorada” daquele que o segue. Um espelho que reflete aquilo que gostaria de poder ser mas por algum motivo não pode. E mais, esse “mito” encarna justamente uma transgressão nesse lugar do que pode e do que não pode, legitimando ou dando autorização a questões que são, do ponto de vista ético e civilizatório, inaceitáveis. Podemos considerar também que esses jargões que versam sobre o absoluto funcionam muito para oferecer uma sensação de ordem, estabilidade, pertencimento, num momento em que muitos ideais até então estáveis e seguros (que asseguravam privilégios) estão sendo duramente questionados. Acho inclusive que o que bolsonarismo faz é encenar um poder justamente onde existe na atualidade uma crise de representação.

&nbsp;&gt; Discurso de bem x mal

&nbsp;Pedro Pietrafesa - De fato, para você ter as pessoas de bem, você precisa ter o mal, essa ameaça, que supostamente são as pessoas que apoiam o comunismo que teria existido ali no início do século 20, então, não tem necessariamente a ver com as forças políticas de esquerda que existem hoje. Precisa ter esse discurso para que você possa manter unido o grupo bolsonarista, das pessoas que se filiam ao bolsonarismo. E não precisa ter factibilidade na história, a veracidade pouco importa.

&nbsp;André Duarte - Canalizar o ódio para um objeto comum que esteja fora do grupo é essencial para a coesão do próprio grupo. Grupos como o bolsonarismo não lidam muito bem com contradições internas, e toda e qualquer resposta afetiva ao conflito acaba sendo direcionada para fora. Isso está na base da sensação de pertencimento. Agora, essa história de ameaça comunista é patética, é cômica para qualquer pessoa que queira debater seriamente a política brasileira. Grande parte da própria direita nem acredita mais nisso. Mas sabe também que é uma narrativa que funciona, justamente por implantar esse “inimigo” em comum, mesmo que ele seja um inimigo imaginário, o que torna a questão um tanto quanto trágica. Ou melhor, como nos diz Zizek, cínica. Esse cinismo é necessário para que algumas narrativas absurdas sejam implantadas com sucesso no imaginário das pessoas, tanto do lado de quem as conta, quanto do lado de quem as acolhe. Essa é a lógica (psicológica) que sustenta toda uma indústria de fake news. É criar uma história mesmo sabendo que não é totalmente verdade, mas contar mesmo assim porque vai fazer sentido para a narrativa, porque reforça a narrativa. Do lado de quem consome essas notícias, é necessário suspender o julgamento em nome de uma causa maior. É um acreditar cego. Porque no fundo a verdade não é mais importante do que reforçar as narrativas de “bem” e “mal” que geram a coesão do grupo. Por mais absurdas que sejam.

&nbsp;&gt; Ódio a Lula

Pedro Pietrafesa - Com Bolsonaro mais frágil, do ponto de vista de saúde, o ódio ao Lula vai crescer ainda mais. Vejo que essa eleição tem o potencial para ser extremamente violenta por conta desse ódio crescente a qualquer tipo de pessoa do campo político contrário ao bolsonarismo. Principalmente na época das eleições, o discurso contra o Lula vai ser muito mais violento, os seus apoiadores podem sofrer ainda mais violência política por conta da situação de saúde do Bolsonaro, que será associado a um suposto sistema, suposto entre aspas, que é esse sistema que não existe de perseguição ao Bolsonaro, que fez com que ele ficasse frágil dessa forma, e Lula vai ser essa personificação nas eleições de 2026. Isso pode, como aconteceu em 2022, levar a uma série de violências, atentados contra simpatizantes do presidente Lula, simpatizantes de qualquer outro campo político, essas pessoas podem sofrer, sim, violências físicas e morais ao longo da campanha de 2026. O discurso de ódio do bolsonarismo vai ser cada vez mais forte por conta dessa situação de fragilidade da saúde do Bolsonaro. E eu temo pela paz social que nós teremos em 2026. Acredito que vai ser muito mais violento e que o bolsonarismo virá com algo muito mais forte de impor à força, goela abaixo na sociedade, qualquer tipo de vontade política que eles tiverem. Eles tentaram fazer isso até com Donald Trump agora, se associando a Trump, e não conseguiram, e podem querer fazer isso em 2026.

André Duarte - É um bom ponto, porque o bolsonarismo só foi possível na medida em que condensa e personifica fantasmas que se fazem presentes na história do Brasil, mas são malditos. Mal-ditos quer dizer que não são bem-ditos o suficiente. Esses fantasmas têm mais força quanto menos conseguirmos enquanto povo, enquanto nação, reconhecê-los e falarmos sobre eles. É assim que eles conseguem nos assombrar. É assim que esses fantasmas conseguem, por exemplo, fundamentar implicitamente muitas fake news sem serem diretamente abordados. Por isso a comissão da verdade em relação aos acontecimentos da ditadura militar brasileira foi tão importante. O antipetismo, por exemplo, é anterior ao bolsonarismo. O bolsonarismo surfou, e muito bem, nessa onda. E se seguirmos os rastros dessa onda, ele nos levará inevitavelmente à, tão velha quanto infame, luta de classes. Acho sinceramente que o bolsonarismo tende a ser enfraquecido a longo prazo, porque no fundo Bolsonaro foi um espantalho de diversas frentes conservadoras e extremistas. O que não quer dizer que os frutos do bolsonarismo não sejam colhidos pelas vertentes conservadores e extremistas do país, já que o solo no qual ele foi plantado, continuará a existir. O ódio ao Lula também é só uma desculpa para odiar o que ele representou um dia - a saber, uma ameaça ao imperialismo e ao conservadorismo -, mesmo que ele já não exerça há tempos, na prática, um governo de combativo de esquerda. Lula já não é mais uma ameaça a essas forças, mas eles vão continuar fingindo que é, porque essa ideia é facilmente assimilada, engajada e consumida.

O bolsonarismo diante da derrocada do "mito"

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes autorizou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a receber um médico para fazer um exame de ultrassonografia. A decisão foi tomada nesta sexta-feira (12).

"As visitas dos médicos do sentenciado, devidamente cadastrados, não necessitam de prévia comunicação, observando-se as determinações legais e judiciais anteriormente fixadas", diz o despacho. A ultrassonografia foi solicitada nessa quinta (11).

Os advogados de Bolsonaro pediram na última terça-feira (9) autorização para que ele deixe a Superintendência da Polícia Federal de Brasília, onde está preso, para passar por novos procedimentos de saúde.

Segundo a defesa, o ex-presidente precisa de cirurgia para quadro de soluços e hérnia, o que demandaria internação imediata com duração de 5 a 7 dias. Diante disso, Moraes determinou uma perícia para avaliar a necessidade do procedimento.

Alexandre de Moraes autoriza Bolsonaro a fazer ultrassom