Os Irmãos Karamázov foi um livro que me marcou profundamente pela universalidade de temas que Dostoiévski consegue abarcar nessa obra-prima. Dias atrás escrevi um texto sobre um dos pontos altos do romance: o momento em que Jesus retorna à Terra, é preso e interrogado por um cardeal experiente — o inesquecível episódio do Grande Inquisidor. Hoje, gostaria de abordar outra passagem igualmente decisiva desse grande livro, a reflexão que se concentra na frase tantas vezes atribuída a Ivan Karamázov: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Há sentenças literárias que atravessam séculos como se carregassem, sozinhas, um tribunal e uma profecia. A frase de Ivan entrou no imaginário universal justamente porque toca um nervo exposto da condição humana. Ela não é uma afirmação dogmática; é uma provocação moral, um desafio lançado a quem se atreve a pensar a liberdade humana até as suas últimas consequências. Ivan não é um ateu confortável; é um rebelde ético. Sua recusa não nasce do orgulho, mas do escândalo diante do sofrimento inocente. Ele observa o mundo — a dor das crianças, a crueldade humana, a injustiça cotidiana — e conclui que não pode aceitar um Deus que permita tais horrores. A sua negação, paradoxalmente, brota de um senso agudo de justiça.