Após obter uma maioria esmagadora na eleição da semana passada, e contando com os votos de sua nova bancada, o primeiro-ministro Boris Johnson finalmente aprovou no Parlamento britânico seu acordo com a União Europeia. O texto será a base da saída do Reino Unido do bloco e garante que o país se retire na data marcada, em 31 de janeiro.Ao apresentar o texto, o premiê fez um apelo à unidade do reino. “Chegou a hora de agirmos juntos como uma nação revitalizada, um Reino Unido cheio de confiança renovada em nosso destino nacional e finalmente determinado a aproveitar as oportunidades que agora nos são apresentadas”, disse Johnson.O acordo foi aprovado com 358 votos a favor e 234 contra – uma maioria folgada de 124 deputados. Na próxima fase, a lei deve passar pela Casa dos Lordes – a Câmara Alta do Parlamento –, o que deve ocorrer após o recesso de fim de ano. O texto passará também por comissões legislativas, quando poderá receber emendas, antes da aprovação definitiva.O governo de Johnson, no entanto, está otimista e estabeleceu um calendário acelerado que prevê a adoção definitiva do texto no dia 9 de janeiro, com tempo suficiente para garantir que os britânicos iniciem a fase de transição do Brexit no dia 31 de janeiro.Durante essa passagem, o Reino Unido permaneceria no mercado comum e na união aduaneira europeia, mas estaria negociando os termos de um acordo comercial com a UE. O prazo para a conclusão da negociação – a saída definitiva – é dezembro de 2020. Johnson rejeita qualquer possibilidade de pedir uma nova extensão do prazo.Analistas e fontes europeias, no entanto, advertiram que o prazo é muito curto para negociar um ambicioso tratado de livre-comércio, o que motivou o retorno dos temores de que o Reino Unido abandone a UE no dia 1.º de janeiro de 2021 sem um acordo.O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, elogiou a aprovação do acordo no Parlamento e pediu a Johnson que mantenha a relação com a UE em equilíbrio. “O voto no Parlamento é um importante passo no processo de ratificação do Artigo 50 (de saída da UE). Um campo de jogo nivelado segue sendo imprescindível para qualquer relação futura”, disse Michel.O acordo do Brexit havia sido rejeitado pelos deputados britânicos três vezes durante o governo de Theresa May. O novo acordo proposto por Johnson é quase idêntico. A única diferença é um protocolo sobre a Irlanda do Norte que substitui o mecanismo do “backstop”, criado por May, para evitar o restabelecimento de uma fronteira física entre as duas Irlandas.No acordo de Johnson, a Irlanda do Norte permanecerá alinhada com as leis, impostos e regras da UE após o Brexit por um período de quatro anos – renováveis segundo decisão da Assembleia local.O arranjo – tanto de May quanto de Johnson – é criticado pelos unionistas, que defendem a ligação da Irlanda do Norte com o Reino Unido. Eles consideram Johnson um traidor por ter firmado um acordo com Bruxelas que coloca a Irlanda do Norte em um regime comercial diferente do restante do Reino Unido.A questão da Irlanda do Norte parece não ter solução. Após 30 anos de violência entre católicos e protestantes, que deixou mais de 3 mil mortos, o território foi finalmente pacificado pelo Acordo de Sexta-Feira Santa, de 1998, pelo qual os britânicos concordaram em desmontar os postos de checagem na fronteira.Mas o que foi a solução para a violência durante a integração se tornou uma ameaça com o Brexit. Sob as regras do mercado comum europeu, as economias das duas Irlandas ficaram integradas. Hoje, ninguém mais aceita a volta da fronteira física entre os dois territórios, o que significa, na prática, uma Irlanda unificada.Para a nova geração, que não viveu o período turbulento entre 1968 e 1998, a divisão já não faz tanto sentido. No plebiscito do Brexit, em 2016, 55,8% dos norte-irlandeses votaram em favor de permanecer na UE. Nas eleições da semana passada, os partidos pró-Europa elegeram a maioria dos deputados.Com esses números, é pouco provável que os norte-irlandeses votem para deixar o mercado comum europeu em um futuro próximo – e quanto mais interdependente as economias das Irlandas ficam, mais difícil será o Reino Unido voltar ao que era antes.