Milhões de sírios devem comparecer às urnas nesta quarta-feira (26) para escolher quem irá comandar o país pelos próximos sete anos. Todos, porém, já sabem qual será o resultado: uma vitória avassaladora do ditador Bashar al-Assad.A expectativa é que o regime utilize a vitória no pleito para tentar mostrar ao resto do mundo que enfim superou os dez anos de guerra civil, além das disputas étnicas. O país tem uma das ditaduras mais autoritárias do planeta e ocupa os últimos lugares nos rankings internacionais que medem a qualidade da democracia.Assim, nem a oposição e nem grande parte da comunidade internacional reconhecem a legitimidade da votação -do recorde de 51 candidatos que se inscreveram para concorrer, 48 foram barrados.Com isso, além do próprio Assad também estão oficialmente na disputa apenas seu ex-ministro Abdullah Salloum Abdullah, e Mahmoud Ahmad Marei, integrante de um dos poucos partidos de oposição tolerados pelo regime. Ambos são considerados nomes pouco conhecidos internamente e sem qualquer chance de vitória.No último pleito, em 2014, o ditador recebeu 88,7% dos votos, e a expectativa é que o número fique próximo disso novamente -a votação acontece sem a presença de observadores que possam atestar de maneira independente a veracidade dos resultados.Assad escolheu o combate ao desemprego como principal mote de sua campanha, prometendo que haverá trabalho para todos na reconstrução do país.Os cerca de 12 mil locais de votação foram adornados com fotos e imagens do ditador, que também monopoliza a mídia estatal. Segundo a rede de TV catariana Al Jazeera, do lado de fora desses locais apoiadores de Assad realizam ações para atrair eleitores e celebrar o regime.Nesta quarta, o governo decidiu estender o horário das urnas, que vão ficar abertas até a meia-noite local (18h de Brasília). Para tentar aumentar o comparecimento, o regime tem organizado grandes atos de apoio ao ditador nos últimos dias, e funcionários públicos foram intimados a votar.Nesse cenário, os governos de EUA, Reino Unido, França, Itália e Alemanha afirmaram em um comunicado conjunto que o pleito não é "nem livre, nem justo". O grupo pediu que o regime permitisse que a ONU organizasse a votação e que fosse permitida a participação de todos os refugiados internos no país -cerca de 11 milhões de pessoas tiveram que deixar suas casas por causa do atual conflito. O regime não aceitou nenhuma das exigências."Como Estado, nós não nos importamos com esses comunicados. O valor dessas opiniões é zero", afirmou o ditador em resposta aos cinco países depois de votar nesta quarta em Douma, cidade que fica nos arredores de Damasco. "A Síria não é o que eles [as potências ocidentais] tentam fazer parecer, uma cidade contra a outra, uma tribo contra a outra, ou uma guerra civil", completou.Em 2018, Douma foi palco de um ataque com arma química que deixou ao menos 50 mortos, e a suspeita é que a ação tenha sido feita pelo regime -o caso levou Paris, Londres e Washington a ordenarem um bombardeio em retaliação.Essa é apenas uma das denúncias de crimes de guerra ou contra a humanidade que pesam contra Assad, que está no poder desde 2000. Ele assumiu o comando do país depois da morte de seu pai, Hafez al-Assad, que havia tomado o controle através de um golpe em 1970 e que passou as três décadas seguintes como ditador. Diferentemente do filho, ele nunca permitiu que rivais disputassem as eleições e venceu todos os pleitos com taxas acima de 99%, segundo os dados oficialmente divulgados.Bashar al-Assad, que é médico, era considerado um reformista dentro do regime, e sua ascensão foi inicialmente bem recebida pelo Ocidente, que via nele uma chance de abertura. A situação mudou em 2011, porém, quando eclodiram os protestos contra o ditador em meio à Primavera Árabe e, na sequência, a guerra civil.O conflito já deixou mais de 100 mil mortos em uma década, destruiu a economia e a infraestrutura e jogou 90% da população na pobreza. Mesmo assim, o ditador conseguiu se manter no poder -em grande parte graças ao apoio da Rússia e do Irã, que funcionam como fiadores internacionais do regime.Os dois governos, inclusive, apoiam a nova reeleição de Bashar al-Assad, que deve assumir seu quarto mandato presidencial.O cenário atual é bem diferente, assim, daquele do início da guerra, quando o líder sírio chegou a ter sua posição de comando ameaçada quando suas tropas perderam terreno tanto para forças rebeldes pró-democracia quanto para o Estado Islâmico. O reforço militar de Teerã e Moscou, porém, garantiu a sobrevivência do regime, que aos poucos recuperou a área perdida e atualmente controla por volta de 70% do território sírio.Em Idlib, região no norte do país que segue sob controle rebelde, houve protestos nesta quarta contra Assad. No nordeste, a região controlada pelos curdos com apoio americano decidiu fechar as suas divisas com o restante do país, impedindo assim que os moradores fossem até o território sob controle de Assad para votar.No sul, líderes da cidade de Deraa -uma das últimas que aceitaram se render para as forças do regime- convocaram uma greve geral em protesto contra a votação, e grande parte do comércio foi fechado. Segundo testemunhas, rebeldes chegaram a atacar veículos que carregavam as urnas na região. Essas revoltas indicam alguns dos desafios que o ditador deve enfrentar nos próximos sete anos de mandato."O grande desafio está no pós-eleição. O quanto Assad conseguirá manter a economia funcionando e cuidar dos problemas da Síria, mesmo com a ajuda de russos e iranianos, é a grande questão", afirmou à rede Al Jazeera Danny Makki, pesquisador do Middle East Institute, que tem sede em Washington. CRONOLOGIA DO CONFLITO 2011Protestos contra a detenção e tortura de crianças e jovens que fizeram pichação contra Assad se espalham pelo país e motivam uma onda de meses de manifestações contra o autoritarismo do governo. A repressão é forte.Em julho, militares que deixaram o Exército anunciam a formação do Exército de Libertação Síria. Nos meses seguintes, começam combates com as forças do governo.Em agosto, EUA, Reino Unido, França e Alemanha pedem a renúncia de Assad. Ele é alvo de sanções internacionais, mas China e Rússia barram medidas contra o governo sírio no Conselho de Segurança da ONU. 2012No primeiro semestre, a ONU tenta mediar um cessar-fogo, mas o acordo é descumprido. A situação se repete várias vezes ao longo da guerra.Em fevereiro, Assad faz um referendo para mudar a Constituição. A proposta é aprovada, mas os rebeldes a consideram ilegítima. Em julho, a Cruz Vermelha passa a classificar o conflito como guerra civil.Forças rebeldes avançam e passam a controlar cidades, como Aleppo. Soldados do Hizbullah vão à Síria lutar do lado do governo. 2013Em abril, jihadistas anunciam a criação do Estado Islâmico. O grupo terrorista consegue ocupar a cidade de Raqqa, além de várias partes da Síria e do Iraque, mas é combatido por outros grupos rebeldes.Em agosto, Assad faz ataques com gás sarin contra rebeldes, o que gera pressão internacional, mas EUA e Reino Unido desistem de um ataque militar. Um acordo é feito para que o governo entregue suas armas químicas.Em setembro, os EUA e uma coalizão internacional passam a fazer ataques aéreos contra o EI na Síria. 2014EI declara a criação de um califado, em junho. Coalizão internacional reforça os ataques contra o grupo. 2015Em maio, o EI domina Palmira, cidade onde havia monumentos da Antiguidade. O grupo destrói parte deles e divulga vídeos.Em setembro, Rússia entra ativamente no conflito e passa a bombardear opositores de Assad, o que muda o jogo a favor do ditador. 2016Governo Assad retoma controle de Aleppo, dominada por rebeldes desde 2012, e de Palmira.Turquia faz acordo com a União Europeia para impedir que refugiados sírios sigam para a Europa. 2017Em abril, forças do governo fazem ataques com gás em Idlib. Em resposta, EUA bombardeiam base militar síria e decidem ajudar os curdos a se armarem.EI é expulso de Raqqa, considerada sua capital, em outubro. 2018EUA, França e Reino Unido bombardeiam forças de Assad após novo ataque químico, em Duma.Idlib se torna a última área sob controle total dos rebeldes, e o governo sírio começa uma ofensiva para atacar a cidade. A Turquia, no entanto, dá apoio aos rebeldes. Rússia e Turquia fazem um acordo para criar uma zona desmilitarizada. 2019Em março, o EI perde Baguz, seu último reduto.Forças de Assad invadem a área desmilitarizada para tentar retomar Idlib.Em outubro, os EUA se retiram da Síria e deixam de dar apoio aos curdos, que foram seus aliados na luta contra o EI. Pouco depois, a Turquia lança uma operação militar contra militantes curdos na Síria. O governo turco diz que a operação busca criar uma área para receber refugiados sírios alocados na Turquia. 2020Em fevereiro, após soldados turcos serem mortos na Síria, a tensão aumenta entre Rússia e Turquia, mas os países negociam um cessar-fogo em março.A pandemia ganha força na Síria a partir do segundo semestre. País vive crise econômica acentuada, com queda histórica do valor da moeda local.Em junho, os EUA anunciam novas e fortes sanções, capazes de gerar o congelamento de bens de qualquer pessoa ou empresa que faça negócios com a Síria em vários setores, incluindo construção e energia. No fim do ano, Israel faz ataques contra forças iranianas no país. 2021Governo Biden ordena ataque contra estruturas militares na fronteira do Iraque, que seriam usadas por milícias do Irã.Em março, a libra síria registra queda recorde: US$ 1 compra 4.000 libras no mercado paralelo. Em meados de 2020, a cotação era de 1 para 2.500.Os lados do conflito Bashar al-AssadDitador da Síria, está no cargo desde 2000. Ele é filho de outro ditador, Hafez al-Assad, que governou de 1971 a 2000. Quase perdeu a guerra, mas seu governo controla atualmente cerca de 60% do país. OS LADOS DO CONFLITO CurdosNação apátrida que tem cerca de 40 milhões de habitantes, espalhados por partes da Síria, da Turquia, do Irã e de outros países. Curdos integram a milícia YPG, que luta na Síria, e o PKK, partido que defende a independência de parte da Turquia. O governo turco luta contra o YPG para tentar enfraquecer o PKK. Estado IslâmicoGrupo terrorista, chegou a dominar amplas faixas e cidades da Síria, mas foi derrotado. Embora sem território, segue tentando manter sua ideologia viva e eventualmente reivindica ataques terroristas. HTSO grupo, cuja sigla significa Organização pela Libertação do Levante, é considerado herdeiro da Al Qaeda na Síria e defende uma visão radical do Islã. Domina a região de Idlib. SDF (Forças Democráticas da Síria)Grupo que controla áreas do nordeste do país e é formado por diferentes milícias, incluindo o YPG. É adversário do SNA. SNAAntigo Exército Livre da Síria, é um grupo rebelde que luta ao lado de forças turcas. É adversário do SDF.