“Tenho o maior orgulho de ser negra. Mesmo com todos os preconceitos nunca quis ser diferente. Infelizmente, isso é comum no dia a dia e talvez demore um pouco a mudar, porém se pudesse não mudaria nada na minha aparência. Sou imensamente feliz com a minha cor. Amo minha negritude”, ressalta a jornalista Thaise Marques.

Apesar do orgulho da raça, ela coleciona histórias de situações em que se sentiu discriminada ao longo dos seus 29 anos. No dia da Consciência Negra, o relato da jovem tocantinense é semelhante ao de milhões de brasileiros que precisam enfrentar o preconceito diariamente.

Thaise conta que sua mãe é branca, loira, do cabelo liso e seu pai é negro e tem cabelo crespo e, quando criança, sempre que ela e os dois irmãos saiam com a mãe, as pessoas perguntavam se eram adotados. “Na escola, sempre que tinha teatro ou alguma apresentação advinha quais os papéis que sobrava para eu fazer? Da escrava, da empregada, da menina pobre, a que era sofrida, da bandida, da coitadinha e assim segue.” Além disso, ela lembra que havia ainda os apelidos. “Macaquinha, neguinha, pretinha, cabelo de bombril, cabelo de pichaim, nega do cabelo duro e tantos outros.”

A jornalista descreve que mesmo hoje, quando entra em uma loja com a sua mãe, por exemplo, os vendedores acham que ela é a empregada. “Uma vez fui com minha mãe à padaria e levamos o filho de uma vizinha de 1 ano de idade. Como ele é bem branquinho, a atendente perguntou se eu não tinha nenhuma amiga para indicar que ela também estava precisando de uma babá.”

Arrogância

Uma história que ainda magoa a jornalista ocorreu há cerca de um ano, quando, no exercício da profissão, ela assessova a primeira-dama de Palmas, Glô Amastha, que fez questão de ir à cozinha falar com as pessoas que estavam trabalhando.

“Uma senhora se dirigiu a mim, bem arrogante, mandando que eu limpasse uma mesa que estava com muita poeira. A mulher nem me deixou falar que eu não era da faxina e insistiu: por favor, não fique parada me olhando, pegue o pano e vá limpar. Apenas sorri e disse que era da assessoria da primeira-dama, e a pessoa não teve a mínima educação de pedir desculpa, virou o rosto e saiu”, conta emocionada.

Ela acrescenta que depois que decidiu cortar o cabelo e abandonar a química, as coisas pioraram. Além disso, muitos a questionam do porquê de não alisar mais o cabelo. “Agora entro nas lojas e ninguém atende mesmo, posso estar impecável.”

Arte

Formada em Artes pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), a bailarina Maria Lúcia Rocha, do grupo Andanças, 1ª Cia. de Dança Afro do Tocantins, ressalta que o preconceito é um problema de condição humana. “Discriminação sempre vai haver, porque a classe do povo afro-brasileiro é a que ficou pobre e para ter destaque em uma sociedade capitalista é complicado, então aconselho que façam o que eu fiz e estudem. Vamos mudar essa realidade através da educação e da arte.”

Membro fundador do Grupo de Consciência Negra do Tocantins (Gruconto), Everton dos Andes destaca que o preconceito é uma coisa cotidiana. “Foram 300 anos de escravidão e 100 anos pós-escravidão, mas os direitos sociais não foram garantidos com a abolição. Para que essa realidade mude é preciso que haja políticas públicas de inclusão, a exemplo das ações afirmativas que preveem as cotas universitárias”, diz.

Racismo

Entre os meses de janeiro e outubro deste ano, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que agora responde por Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, registrou apenas um caso, no mês de maio, de denúncia de racismo no Tocantins.

Para um estado cuja população é composta 76% de pretos, esse número é baixíssimo e está muito longe da realidade, informou a Secretaria de Estado da Defesa e Proteção Social (Sedeps). O mesmo número foi registrado em 2014.

Para o gerente de Promoção da Igualdade Racial da Sedeps, André Luis Gomes da Silva, um estado essencialmente composto por população preta ainda precisa vencer o preconceito. “Essa é nossa dura missão. Mas com políticas públicas certas de valorização e campanhas contra o preconceito podemos e vamos superar isso. Eu mesmo, que sou preto, passei recentemente por uma situação de preconceito por causa da minha cor, quando procurei uma concessionária na tentativa de comprar um carro. Como se preto não pudesse comprar um veículo”, relata.

A pessoa que sofrer ou testemunhar um caso de racismo deve ainda acionar a polícia. No caso da Polícia Civil, o contato pode ser feito pelo telefone 197 e, para a Polícia Militar, através do 190. Nos casos de flagrante, o autor do crime pode ser preso. (Confira a programação da data no Caderno Arte e Vida)