Há um ano, o Tocantins se despedia de Raimunda Gomes da Silva, popularmente conhecida como a Dona Raimunda Quebradeira de Coco. De origem humilde, ela se tornou símbolo da resistência feminina no campo, ficou conhecida pelo seu trabalho social como líder comunitária do povoado Sete Barracas, localizado no município de São Miguel do Tocantins, distante 610 km de Palmas, onde morou mais de 40 anos até sua morte em 7 de novembro de 2018, aos 78 anos. A morte se deu em decorrência de problemas de saúde como a diabetes.

Saudoso, o marido Antônio Cipriano ressalta que sente falta da esposa com quem ficou casado por 35 anos. “Quinta-feira é visita de um ano que ela faleceu. Eu estou sentindo muito porque vivi 35 anos mais minha velha, uma vida maravilhosa. Mas tudo tem o tempo e a hora, a Bíblia mesmo diz ‘tem o tempo de nascer, crescer, multiplicar e minguar’. Então tem o tempo da gente vir para esse mundo e o tempo de voltar. A gente tem que se conformar, é duro, não é fácil, mas a gente se conforma porque tudo é com o consentimento do pai criador”, ressalta.

A dor da perda é amenizada com as homenagens que a todo tempo chegam. “Eu fico muito satisfeito quando as pessoas falam o nome da Raimunda. Agora mesmo, teve uns jornalistas que vieram do Maranhão ver o cemitério que fizeram para a comunidade em homenagem a ela. Eu fico muito satisfeito quando o jornalista tem aquele amor de falar na Dona Raimunda que era minha esposa, para mim é uma satisfação”, diz, convidando para a visita ao cemitério que será nesta quinta-feira, 7, às 17 horas.

Filme

A história de dona Raimunda foi retratada no filme “Raimunda, a quebradeira” dirigido pelo publicitário Marcelo Silva.  “Eu a conheço desde 1992. Sempre foi uma grande inspiração para mim. Depois do documentário eu passei a ter uma dívida moral com ela por conta do prestígio que o filme me deu por isso assumi o compromisso de trabalhar pela perpetuação do legado dela”, afirmou o diretor do filme.

Em julho deste ano, Silva esteve no povoado para visitar a sepultura de Dona Raimunda e considerou que a quebradeira estava sepultada de forma indigna. Decidiu então fazer um túmulo para ela. “Constatei que ela estava sepultada indignamente. Não fazia sentido fazer um túmulo bonito para ela e deixar seus companheiros de forma indigna. Se estivesse viva, ela não aceitaria ter um túmulo bonito enquanto seus parentes e amigos não. Por isso encomendamos um projeto de um Cemitério Memorial”, destacou.

O cemitério inaugurado antes do Dia de Finados, 02 de novembro, foi projetado pelos arquitetos Ricardo Freitas, Loise Correa e Victor Marinho, todos formados na Universidade Federal do Tocantins.

As covas foram mantidas no mesmo lugar e todos no mesmo padrão, composto por cimento e grama. O memorial à Dona Raimunda ganhou uma placa maior de identificação com homenagens, placas contando a história do assentamento Sete Barracas e sete colunas ao fundo simbolizando o povoado rural, um cruzeiro horizontal e muro da saudade.

Reconhecimento em vida

Dona Raimunda foi responsável pela fundação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), criado em 1991, atuante nos estados do Pará, Tocantins, Piauí e Maranhão, que tem como objetivo a garantia dos direitos das mulheres da região do Bico do Papagaio.

A história de luta lhe trouxe títulos. Foi a única do Tocantins que já fez parte da lista mundial das mil mulheres que concorreram ao prêmio Nobel da Paz, no ano de 2005. Em 2009, a quebradeira recebeu o título de doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Além de prêmios como o Diploma Mulher-Cidadã Guilhermina Ribeira da Silva, pela Assembleia Legislativa do Tocantins; e o Diploma Bertha Lutz, do Senado Federal, concedido a mulheres que contribuíram para a igualdade de gênero no Brasil. Em novembro de 2017, a quebradeira foi uma das homenageadas para receber a Medalha Mário de Andrade, honraria concedida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) às pessoas físicas ou jurídicas que tenham prestado serviços de relevância em proveito da trajetória do Iphan.

Em 2018, Raimunda chegou a ser lembrada pela Organização das Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) numa série de reportagens que fazem parte da Campanha Regional pela Plena Autonomia das Mulheres Rurais e Indígenas da América Latina e do Caribe.