Jovens tocantinenses na faixa dos 20 anos de idade que deixaram sua terra e seus familiares para darem os primeiros passos rumo a um futuro profissional. As trajetórias de Gabriella, Ian e Camila também possuem traços em comum por um outro motivo: conviver com a transmissão do coronavírus em países e culturas completamente diferentes daquelas de onde vieram.

Ainda no mesmo fuso-horário do Tocantins, Gabriella Rodrigues, 25 anos, partiu do Estado em 2015 para cursar Medicina em Buenos Aires, na Argentina, mas costuma visitar os familiares com frequência. A última vez que esteve em Palmas, onde seus pais e irmãos moram, foi no mês de janeiro.

Após 20 dias desde o primeiro caso confirmado no país, a estudante conta que o clima é de muito medo e tensão entre os argentinos. “Principalmente aqui em Buenos Aires porque a população idosa é muito grande. Já estou até acostumada em sempre ver idosos todos os dias nas ruas e pegando ônibus”, acrescentou.

Apesar do estado alarmante da doença ao redor do mundo, Gabriella diz que o sistema de saúde do país não está tão precavido assim e que nem todos os cidadãos colaboram totalmente com as medidas de isolamento social orientadas pelo governo.

“Uma amiga faz plantão no terceiro maior hospital público daqui e disse que faltam luvas, máscaras, álcool em gel, então o sistema já está bem saturado. Logo que declararam estado de emergência e a quarentena total aqui, cerca de 20 mil argentinos viajaram para fora e agora pedem repatriação do governo para voltarem para casa. Dez mil argentinos retornaram na semana passada a partir disso e eles contribuem para que a doença se alastre por aqui”, afirmou, preocupada.

Em quarentena obrigatória desde o último dia 20 de março e que deve se estender até a próxima terça-feira, 31, ou até mesmo depois da Páscoa, de acordo com o governo argentino, a jovem permanece dentro de casa acompanhando aulas on-line da graduação, visto que as presenciais estão suspensas pelo menos até o próximo dia 12 de abril. A última vez que saiu foi na sexta-feira para comprar mantimentos, um dos poucos motivos permitidos na cidade.

“Não podemos sair de casa a não ser para ir fazer compras no mercado e farmácia ou em caso de emergência hospitalar e se o cidadão descumprir isso pode ser preso. Saí para fazer compras na sexta-feira com as minhas amigas, muitas filas nos supermercados e as prateleiras de papel higiênico, atum, arroz, trigo e outros itens essenciais praticamente vazias. As pessoas fizeram as compras do mês, praticamente esvaziaram os supermercados”, relatou.

Mesmo diante de medidas desesperadas da população, o governo do país irá oferecer uma quantia de 10 mil pesos, cerca de R$ 800, para amenizar o impacto do novo coronavírus na vida de famílias que ficaram sem rendimentos durante o período de quarentena, medida bem avaliada pela estudante.

“Apesar de tudo que está acontecendo acho que o presidente tomou as medidas de isolamento no tempo certo porque aqui ainda temos 300 casos suspeitos e seis mortes. A minha esperança é que isso possa conter o avanço da doença, mas é algo que não tem como prever, só conforme a progressão da doença é que vamos saber exatamente como as coisas irão acontecer”, opinou.

Ainda que em momento de crise, a gratidão é algo presente no coração dos cidadãos argentinos. “Todo dia aqui as 21 horas as pessoas vão até suas janelas baterem palmas em agradecimento a todos os profissionais da saúde que trabalham nesse momento”.

Sobre a saudade de casa, Gabriella procura manter contato diário com os familiares tocantinenses pelas redes sociais e vídeo-chamadas. “Tive vontade sim de voltar para casa, mas não voltaria mesmo que as fronteiras não estivessem fechadas porque tenho medo de contrair o vírus no aeroporto ou em qualquer lugar por aí e me preocupo de passar ele para os meus pais, que são do grupo de risco”, concluiu.

Serenidade

Do outro lado do mundo, o estudante de Física Ian Gomes, 21 anos, foi sozinho para o Japão e mora na cidade de Kyoto há um ano. O jovem conta que atualmente a situação está bem diferente do Brasil, pois o país reagiu rápido ao vírus. “Está tendo uma quarentena, mas bem de leve, o comércio ainda está funcionando e as pessoas estão indo para as ruas. Só as aulas nas escolas e universidades e as atividades de museus e eventos que foram cancelados”, afirmou.

Quando o vírus chegou à cidade, no final do mês do janeiro, Ian conta que as pessoas começaram a estocar alimentos e itens como papel higiênico. Ele também teve muito medo. “Fui direto comprar algumas máscaras para me proteger e evitei sair de casa e ter contato com outras pessoas. Apesar disso, não cheguei a ter vontade de voltar para o Brasil e com o tempo o medo foi diminuindo. Pelo visto aqui não está tendo o surto, mas ainda estou tomando precauções”, constatou.

Segundo ele, diferente da América, os japoneses agem como se não tivesse vírus nenhum e alguns deles até fazem pequenas aglomerações nas ruas para prestigiarem as sakuras (cerejeiras), que começam a florir nessa época do ano. “Aqui tem muitos idosos e ainda não sei como não virou um caso como a Itália. Mas pelo que soube, o Japão fez bastante controle de fronteira desde o começo. As pessoas são bem higiênicas e não tem muito contato corporal normalmente, o que ajuda bastante”, pontuou.

Nascido na Bahia e criado em Palmas, Ian é asmático e preocupou bastante seus familiares, que ainda moram no Tocantins. “Toda vez que falava com os meus pais eles pediam para eu me cuidar, coisa de pai e mãe. Agora eu que estou pedindo para eles se cuidarem”, disse.

Adaptação

O mesmo ar de tranquilidade também está presente em Debrecen, na Hungria, onde mora a palmense Camila Barreto, de 22 anos. Há menos de um ano na Europa, ela faz mestrado em Engenharia de Sistemas Urbanos e trabalha no departamento financeiro de uma multinacional americana.

Assim como muitos tocantinenses, a jovem precisou adaptar sua rotina de trabalho e estudos ao home office devido ao decreto de estado de emergência no país. “Com isso o governo pode restringir o horário de funcionamentos de estabelecimentos, exceto supermercados e farmácias, até as 15 horas. As universidades e escolas foram fechadas e as fronteiras também, ninguém entra a não ser cidadão húngaro”.

No país, porém, não foi declarado o lockdown como aconteceu na Itália, o que deixa a população mais tranquila para sair de casa e se deslocar livremente pela cidade.

“Hoje mesmo fui ao supermercado, mas foi a primeira vez essa semana que saí de casa. Não tem tantas pessoas na rua, mas as que estão usam máscaras e luvas e dá para perceber claramente as mudanças desde que o governo declarou o estado de emergência. Não está tão caótico ainda, os números de infectados ainda estão baixos então está bem controlado”, apontou.

No Tocantins, seus familiares ficaram bastante preocupados e Camila confessou que também ficou no início diante do cenário assustador na Itália. “Viajei na última semana de janeiro e passei por Milão, mas nessa época o vírus estava começando a chegar lá e nem se falava nada sobre o assunto. Minhas tias e minha mãe sempre me mandam mensagens para eu me cuidar”.

Além de lidar com os próprios medos, a estudante ainda precisou ter jogo de cintura para driblar a xenofobia. “O que eu e meus amigos sentimos muito quando começou os primeiros casos aqui na Hungria foi a xenofobia, os olhares no transporte público começaram a ser maiores do que antes porque os primeiros casos aqui foram de estudantes internacionais iranianos. Nessa hora deu vontade de voltar para casa”, lamentou.

Sobre as restrições de não poder viajar, a tocantinense busca seguir à risca para proteger aqueles que ama. “Acho muito perigoso voltar, é melhor isso tudo passar que aí não ponho nem eu nem minha família em risco. Com certeza cansa ficar muito tempo em casa, a gente sente falta do contato social, mas acredito que é por uma boa causa”, finalizou.