Precisamos consolidar políticas integradoras

É um imperativo para o nosso desenvolvimento a integração das questões (e visões) dos setores de saúde pública e economia, pensados como sistemas conectados, interdependentes e potencialmente sinérgicos. Para tanto, devemos nos despojar de paixões ideológicas: de um lado, entender a economia não como mercantilismo, mas a ciência do estudo, quantificação e gestão de recursos da sociedade e, de outro, o setor saúde como uma das turbinas da economia. Podemos nos tornar uma potência “médica”, farmacêutica e de saúde preventiva e, assim, diminuir nossa dependência externa – uma questão primária de segurança nacional, inverter a balança comercial do setor e, ainda, cuidarmos melhor dos brasileiros e ajudarmos a humanidade. Temos importantes vantagens competitivas para tal, falta-nos visão estratégica, capacidade e vontade de promover investimentos e parcerias estratégicas, e substituir o assistencialismo pelo empreendedorismo na alma nacional.

 

Quanto custa?

Economia faz bem à saúde, em vários sentidos, entre eles o hábito de quantificar. Quanto custa, para as pessoas e o sistema de saúde, a falta de saneamento, higiene, hábitos saudáveis, educação sanitária, educação, cidadania? Quanto custam queimadas, desmates, desarborização urbana e outras mazelas ditas “ambientais”?  

   

Colônia ou potência? A escolha é nossa

Os gastos em saúde equivalem a 10% do PIB mundial e 8% do brasileiro – e tendem a aumentar. Somos o sétimo mercado mundial da indústria farmacêutica, as farmácias faturaram 120 bilhões de reais em 2019, segundo a Febrafar (Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias). O SUS, um dos mais fortes e amplos do mundo, compra 30% do que aqui se consome, um enorme poder. Temos um parque industrial, universitário e de ciência da saúde pública desenvolvidos, país afora, bem como um sistema privado de saúde também pujante, complementar ao público. Mas tudo isto acontece de forma desarticulada, não estratégica e portanto ineficaz, entrega resultados ao país muito aquém do possível. Sem falar na questão da bioprospecção farmacêutica, no país que detém mais de 20% das espécies do planeta.  

 

Sangria contínua

A pandemia do COVID-19 escancarou a nossa dependência externa – e os graves problemas advindos, não só de farmoquímicos de ponta, mas de itens básicos, de tudo. Importamos máscaras e outros EPIs, respiradores, etc. Importamos 95% dos insumos farmacêuticos! E lá atrás, até médicos! O custo disto é uma sangria anual da ordem de US$ 6 bilhões, ou seja, foram (e serão) coisa de 300 bilhões de reais de déficit comercial no setor em uma década, com expectativas de crescimento dos gastos entre 26 e 37% para os próximos 10 anos, pelo envelhecimento da nossa população e o aumento da cobertura do sistema. É preciso estancar a sangria.  

 

PNITS - decreto presidencial 9.245/2017

Até uma (boa) Política Nacional de Inovação Tecnológica na Saúde (PNITS), já temos, para regulamentar o uso do poder de compra do Estado em contratações e aquisições de produtos e serviços estratégicos para o SUS e estimular a evolução do setor por meio de: Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), Encomendas Tecnológicas na Área da Saúde (ETECS), e Medidas de Compensação na Área da Saúde (MECS). Resta agir para as políticas saírem do papel.

Crise é oportunidade

Se multiplicarmos equipamentos, materiais, insumos, instrumentos, produtos, equipes e serviços pelos setores hospitalar, farmacêutico, ambulatorial, laboratorial, preventivo, complementar, educativo, de comunicação em saúde, de logística e gestão; e ainda pela escala continental do Brasil e a essencialidade do setor, temos milhares de enormes oportunidades a serem aproveitadas para fortalecer, ao mesmo tempo, a nossa economia e a nossa saúde pública.       

 

Indústrias vocacionadas

Indústrias de diversos setores tem vocação para adaptar e ampliar o portfólio de atuação com foco no atendimento desta demanda setorial: automobilística, eletromecânica, eletrônica, moveleira, plásticos, educação, etc. Grandes, médias e pequenas empresas, e também de comércio e serviços. Vontade e criatividade são os limites do céu. A pandemia já tirou alguns do setor da zona de conforto, resta chacoalhar todo mundo.              

 

Ofícios e empregos

Não são apenas os profissionais das áreas clássicas da saúde ou de curso superior, mas dezenas de ofícios ligados a cadeia produtiva da saúde, inclusive de outras áreas ou em nível técnico, com potencial de gerar renda e trabalho a partir desta visão de saúde e economia multimodal. Dois simples exemplos: cuidadores de idosos, educomunicação em saúde. Lembrando que só trabalho, dever e ofícios – não meros “empregos”, é que constroem uma nação.  

 

Melhorias estruturais, não maquiagem  

Os enormes recursos do governo federal que estão chegando aos estados e municípios para o combate à pandemia devem servir ao mesmo tempo para estruturar melhorias gerais e definitivas na saúde pública, em todas as suas facetas e com sua interiorização. Um exemplo é fortalecer arranjos e centros médicos, de UTIs e de especialidades, em núcleos regionais, diversificar e levar a boa saúde pública para o interior do Brasil e do Tocantins. O problema não são só as fake news, mas as fake actions.                  

 

A economia da prevenção

É preciso martelar este ponto: quem estuda minimamente economia e saúde, passa a defender a saúde e medicina preventiva. Diferentes organismos internacionais atribuem relações diretas entre investimentos e economia de: 1 para 3, em saúde preventiva (OCDE); 1 para 9 em saneamento (OMS), 1 para 44 em vacinação infantil (Unicef). Pergunto, por que não temos mais centros como o Instituto Butantan (SP) e o da FioCruz – Manguinhos (RJ), dado o nosso parque universitário muito mais amplo? Por que não temos um projeto de saúde (e de nação) a partir de ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo?  

 

Renúncia fiscal

O debate sobre o financiamento da saúde brasileira e o equilíbrio entre o sistema público e privado passa também pela questão da justiça fiscal, no país da loucura tributária. Segundo relatório do Tesouro, 34 bilhões foi o valor da renúncia fiscal no setor em 2016, com caráter regressivo, que favorece camadas da população com maior renda, com dedução de despesas de planos de saúde de pessoas físicas e jurídicas.