A variante de coronavírus identificada no Reino Unido adquiriu espontaneamente uma segunda mutação "preocupante", antes presente apenas nas variantes achadas na África do Sul e no Brasil, de acordo com documento publicado pelo governo britânico.

Essa segunda mutação, chamada E484K (e apelidada de Erick), foi encontrada durante estudo feito em 26 de janeiro, no qual foram analisadas 214.159 sequências genéticas da variante britânica, a B.1.1.7. "As informações preliminares sugerem mais de um evento de aquisição", diz o relatório.

Mutações de vírus são comuns e esperadas, e a maioria delas é inócua ou até prejudicial ao vírus, mas algumas preocupam mais os cientistas porque elevam as condições de sobrevivência dos patógenos. É o caso da mutação Erick e da apelidada de Nelly (nome técnico N501Y), até então a única encontrada na B.1.1.7.

Tanto Nelly quanto Erick afetam a proteína conhecida como Spike (espícula), que facilita a entrada do patógeno na célula humana. Os nomes técnicos se referem às partes e posições do vírus afetadas pelas trocas. N501Y indica que, na posição de aminoácido 501, a asparagina (N) foi substituído por tirosina (Y). Em E484K, houve uma troca de glutamato por lisina na posição 484.

As duas mutações tornam o coronavírus mais contagioso, mas a Erick é "a que mais preocupa", porque tem mostrado maior possibilidade de reduzir a eficácia das vacinas, segundo Simon Clarke, professor de microbiologia celular da Universidade de Reading.

Ensaios clínicos feitos pela Novavax e pela Johnson & Johnson mostraram que suas vacinas foram menos eficazes na África do Sul, em comparação com o Reino Unido ou os EUA: "Presume-se que seja devido ao alto nível de vírus que carrega essa mutação E484K", afirmou Clarke.

Embora nenhuma avaliação tenha sido feita com as vacinas de Oxford/AstraZeneca, Pfizer ou Moderna, ele diz que "é inteiramente possível que sua eficácia seja diminuída de forma semelhante por esta mutação".

Julian Tang, virologista da Universidade de Leicester, concorda com a avaliação. Segundo ele, se a mutação Erick for adquirida pela maioria das variantes B.1.1.7, "podem não se aplicar mais" os resultados de testes que mostravam que vacinas de mRNA ainda oferecem proteção ideal para a variante britânica.

Além de reduzir a eficácia da vacina, a nova mutação pode também tornar menos eficientes tratamentos à base de anticorpos, como os usados pelo ex-presidente americano Donald Trump, de acordo com Lawrence Young, virologista da Universidade de Warwick.

"Essa mutação parece evitar que a infecção viral seja bloqueada por certos anticorpos monoclonais terapêuticos e reduz a eficiência dos anticorpos neutralizantes de indivíduos previamente infectados", disse ele. Isso traz o risco de que variantes com a mutação Erick possam reinfectar com mais facilidade indivíduos que já haviam se recuperado da forma original do Sars-Cov-2, segundo Young.

Tang afirmou que uma das hipóteses para a nova mutação na B.1.1.7 poderia ter sido a recombinação com uma variante sul-africana ou brasileira que tivessem infectado a mesma célula, como acontece com vírus da gripe, "mas isso é mais raro com os coronavírus".

"É mais provável que isso tenha surgido por meio de evolução natural dentro da população humana", disse o virologista. "Esse é outro motivo para manter restrições e controle do contágio, caso contrário, o vírus não só pode continuar a se espalhar como também pode evoluir."

Nesta terça (2), o governo britânico lançou uma operação porta a porta para testar 80 mil pessoas, depois de identificar ao menos 11 casos de contaminação comunitária (não relacionada a viagens) pela variante da África do Sul.

"É vital que façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para interromper a transmissão desta variante", afirmou na segunda o secretário de Saúde do Reino Unido, Matt Hancock. "A melhor maneira de impedir a propagação do vírus - incluindo novas variantes - é ficar em casa e seguir as restrições em vigor, até que mais pessoas sejam vacinadas."

Um contágio descontrolado de novas mutações colocaria em risco uma das únicas ações de sucesso do governo britânico no combate à pandemia, a campanha de vacinação, que já aplicou 15 doses de vacina para cada 100 habitantes e imunizou com a primeira dose 90% dos maiores de 80 anos.