Da creche ao pós-doutorado, todos os níveis da Educação sofreram com o avanço da pandemia da covid-19 no mundo. Às pressas, escolas e universidades tiveram de adaptar um novo plano pedagógico para dar seguimento ao aprendizado dos alunos mesmo longe do espaço escolar. Passados dois ou até três meses desde o início das respectivas quarentenas, agora países começam a ensaiar uma retomada das aulas presenciais e tentam lidar com os impactos desse cenário emergencial e completamente novo. Mas descobrir qual o plano ideal está longe de ser uma tarefa fácil.

Um exemplo claro desse complexo desafio ocorreu recentemente na França. Uma semana após a volta às aulas de um terço das crianças do país, o governo mapeou novos casos de coronavírus em 70 escolas reabertas e decidiu fechá-las como precaução.

Parte do problema é simples de identificar, mas difícil de se resolver. É complicado obrigar crianças e adolescentes que passaram meses sem contato físico a encarar uma realidade em que as carteiras estão mais separadas, as turmas estão reduzidas e máscara e álcool em gel ainda são obrigatórios.

Alemanha:
Escolas reabriram apenas parcialmente, para crianças pequenas e as que têm exames para fazer. Regras de distanciamento social e desinfecção constante das salas têm de ser seguidas.

Bélgica:
Escolas voltaram às aulas em 18 de maio, mas não são permitidas mais do que 10 crianças por sala.

Dinamarca:
Crianças de creches e escolas primárias voltaram em 14 de abril e as maiores, em 18 de maio, mas pais e visitantes não são permitidos dentro dos prédios.

Espanha:
Parcialmente reabertas a partir de 26 de maio, mas a reabertura completa não deve acontecer antes de setembro, de acordo com o governo.

Estados Unidos:
Cada Estado tem uma regra, e algumas pequenas cidade abriram suas escolas, principalmente para alunos que não têm equipamento para fazer aulas online. Estado de Washington e a cidade de Chicago admitem a possibilidade de manter aulas a distância até o ano que vem.
Algumas escolas planejam testar todos os alunos e funcionários antes de voltar às aulas.

França:
Escolas primárias e creches começaram a reabrir em 11 de maio.
Nas áreas verdes do país (com menos casos de covid-19), escolas para jovens de 11 a 15 anos reabriram no dia 18 de maio. Os mais velhos devem voltar às aulas agora em junho,
respeitando limite de 15 estudantes por sala e uso obrigatório de máscara.

Grécia:
Reabriu em 11 de maio, apenas para os estudantes de final de curso.
Classes têm aulas em dias alternados.

Inglaterra:
Escolas primárias devem voltar em 1º de janeiro, com no máximo 15 alunos por sala.

Irlanda:
Creches para filhos de trabalhadores de serviços essenciais abrem a partir de 29 de junho - e para outras crianças em 20 de julho.
As escolas continuam fechadas até setembro.

Itália:
Escolas não devem reabrir antes de setembro.

Portugal:
Escolas primárias e algumas com alunos mais velhos voltaram em 18 de maio, mas o resto continua com aulas a distância.
Crianças pequenas não precisam usar máscara.

Mesmo assim, países do sudeste asiático, como Cingapura, já dão exemplo de que, com o tempo, essas medidas podem ser incorporadas na rotina dos estudantes. A brasileira Gisele Birse mora no país há pouco mais de um ano e conta que medir temperatura, conferir as mãos e a boca dos alunos e realizar a desinfecção das mãos com álcool em gel antes mesmo do início das aulas já eram medidas adotadas na escola do filho mais velho, Ian, de 5 anos, antes mesmo da pandemia.

Na Alemanha, algumas escolas começaram o plano de retomada dividindo as turmas em grupos de no máximo dez crianças, com aulas duas vezes na semana. Há também uma restrição que impede que alunos permaneçam mais tempo do que o normal na escola, exceto aqueles cujos pais trabalham na área da saúde ou em órgãos públicos.

Em algumas cidades, os pais receberam orientações por carta sobre o retorno das aulas, que deve acontecer no início de junho. Crianças que se enquadram no grupo de risco ou que têm parente em casa com alguma comorbidade precisam de um atestado para poder continuar o estudo de casa e seguem sem permissão para voltar às aulas presenciais.

Em Portugal, creches e turmas dos últimos anos do ensino médio voltaram no último dia 18 de maio, também com turmas reduzidas e rodízio de professores. Já as turmas de ensino fundamental devem finalizar o ano letivo, que lá termina em junho, a distância.

Christiane Gameiro, de 39 anos, é professora de inglês em Lisboa e também mãe de duas meninas, Sofia, de 7, e Helena, de 2. A mais nova voltou a frequentar a creche na semana passada. A brasileira conta que a escola mandou um comunicado antes de retomar as aulas para montar um horário conforme a demanda. Além da mudança nos horários, as aulas agora são num pátio aberto, a sala de descanso foi ampliada, as refeições são realizadas no mesmo lugar que as classes e os pais não podem mais acompanhar as crianças até as salas de aula. Há recomendações para evitar o compartilhamento de brinquedos e manter o distanciamento de 1,5 metro entre as crianças.

Já na escola em que Christiane trabalha, julho será um mês importante de planejamento para os professores. Mesmo com o encerramento das aulas, eles continuarão em atividade, definindo estratégias para o novo ano letivo, que começa em setembro.

Os próximos meses também serão de debates para estudantes universitários na Espanha. Henrique Feltre é estudante de arquitetura da Universidade de Navarra e afirma que há uma proposta em discussão para que no novo semestre, que vai de setembro a dezembro, as aulas presenciais tenham apenas um terço dos alunos. “Para isso, as classes seriam gravadas e transmitidas ao vivo para estudantes de todas as partes do mundo, mas ainda há muita incerteza porque muito pode mudar.”

VOLTA ÀS AULAS NO BRASIL
No Brasil, uma das unidades da rede de escolas Maple Bear, em Sinop, Mato Grosso, retomou as aulas presenciais no início de maio, após a publicação de um decreto municipal que autorizava a retomada gradual facultativa para instituições privadas.  Os protocolos vão desde a entrada de alunos, pais, colaboradores, entregadores, terceirizados e visitantes até mudanças nos espaços de refeições e higienização bucal. Para a chegada dos estudantes, por exemplo, a escola delimitou um espaço como área suja, onde os calçados, bolsas e mãos são higienizados e é feita a medição da temperatura corporal, que não pode passar de 37,7°. Só após esse processo, os alunos seguem para a parte interna da escola, indo diretamente para a sala.

“Na primeira semana, houve o retorno de 58% dos alunos. Atualmente (terceira semana após o retorno), estamos com 78%”, conta Danicler Bavaresco, franqueado da rede. A escola também mantém o ensino a distância para as famílias que ainda optarem pelo isolamento social.

Em São Paulo, o governo estadual anunciou um plano de flexibilização da quarentena dividido em cinco fases, mas Educação e Transporte ainda são atividades que estão sem definição de como será a retomada.

Em nota, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (Seduc-SP), responsável pela coordenação setorial da área, dentro do Plano São Paulo, afirma que vem realizando reuniões com instituições públicas e privadas para organizar a retomada planejada das aulas presenciais e que a volta das aulas presenciais será gradual e regionalizada, seguindo o que os dados científicos sobre a epidemia indicarem em cada região do Estado. “As diretrizes devem ser apresentadas à sociedade nas próximas semanas”, informa a nota.

ESPECIALISTAS DEFENDEM MEDIDAS DE EMERGÊNCIA PARA ENSINO PÚBLICO
Analisar o que outros países estão fazendo é importante e pode até auxiliar no planejamento dos educadores brasileiros, mas é preciso considerar as evidentes diferenças estruturais. A primeira delas é que o sistema de ensino na maioria dos países europeus sofreu um impacto apenas nos meses finais do ano letivo, que começou em setembro do ano passado e termina em junho.

Enquanto isso, no Brasil, as escolas precisam remediar os impactos de um ano letivo quase completamente comprometido. No Rio Grande do Norte, por exemplo, alunos do ensino médio das escolas estaduais tiveram cerca de duas semanas de aulas presenciais neste ano.

Isso porque, antes mesmo da crise provocada pelo novo coronavírus atingir o País, os professores entraram em greve por tempo indeterminado para reivindicar a implantação imediata do reajuste de 12,84% no salário e o pagamento do retroativo desse aumento em três vezes.

Baraklein Gabrielli é coordenadora pedagógica da Escola Estadual Professor Luiz Antônio, em Natal, e revela que, mesmo com o decreto que permite que 160 horas/aula, das 800 obrigatórias, podem ser virtuais, o desafio para os mais de 100 alunos das cinco turmas de ensino médio é um quebra-cabeça ainda sem solução.

“Nem todos os alunos conseguem acessar o SigEduc, plataforma online onde os professores podem inserir atividades para os alunos”, explica. Ela conta que muitos alunos não têm internet em casa e outros só contam com pacotes limitados apenas para o WhatsApp. “A solução encontrada foi criar um grupo com os líderes de cada sala e enviar atividades para as turmas.”

A preocupação com o retorno das aulas é pauta diária no grupo da gestão da escola. “Nós não temos o básico. Será que o governo vai nos oferecer recursos para comprar sabonete líquido, álcool em gel e máscaras para os alunos?”, questiona a coordenadora. Baraklein revela que muitos professores já se organizam para comprar materiais de higiene por conta própria.

Também é difícil imaginar, ela conta, como manter o distanciamento necessário dentro de uma sala de aula com mais de 40 alunos. Porém, o maior receio para a coordenadora pedagógica é com o futuro dos alunos. “Conversei com vários estudantes que estão no último ano do ensino médio e muitos deles já estão pensando em deixar para fazer o Enem apenas no próximo ano, mesmo com o adiamento da prova”, revela Baraklein. Porém ela alerta que nesse caso, muitos dos alunos que atualmente estão no 3° ano já não estarão mais na escola no próximo ano.

Getúlio Marques, secretário de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do Rio Grande do Norte,  acredita que o retorno vai ser mais complexo do que o período atual, com ensino remoto. “Não temos respostas finais, mas um conjunto de ideias para atuar conforme a situação avance”, explica Marques.

O secretário afirma, que desde a paralisação das aulas, vendo sendo realizados estudos e reuniões mensais envolvendo Conselho Estadual de Educação, sindicato das escolas particulares, secretários municipais de Educação e instituições de Ensino Superior para o planejamento de propostas viáveis. Uma delas é transformar os anos letivos atual e o de 2021 em um só ciclo para alunos dos anos finais do ensino médio. “Também estamos analisando como adaptar um retorno com turmas divididas pela metade e em dias alternados, mas isso esticaria ainda mais o ano letivo, podendo gerar uma evasão dos alunos”, diz Marques.  Os impactos, segundo ele, serão sentidos até 2022.

RISCO DE EVASÃO ESCOLAR
Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE-FGV), reforça a importância de uma busca ativa dos alunos para identificar possíveis casos de abandono aos estudos. “Olhando o passado e outros países, a tendência é de uma evasão escolar grande”, afirma. Os motivos, segundo ela, vão desde o medo de os pais mandarem os filhos para a escola até o jovem ter se desinteressado após ficar muito tempo longe da escola ou ter optado por trabalhar na informalidade porque a família perdeu uma fonte de renda.

“Isso demanda um trabalho em conjunto com a assistência social. Na Argentina, por exemplo, tem um instituto de pesquisa que fala da possibilidade de conceder bolsas de estudos a famílias que perderam toda a renda”, conta Claudia, ao analisar formas de garantir que os estudantes continuem estimulados a estudar.

É por situações como esta que Lucas Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política do Todos pela Educação, defende um plano emergencial para a Educação. “Da mesma forma que temos agora hospitais de campanha, temos de pensar escolas de campanha para conseguir organizar essas soluções”,  avalia.

Recentemente, o Todos pela Educação lançou uma nota técnica detalhada, com informações cruciais para o retorno às aulas. O documento se baseou em 43 estudos sobre lugares que já passaram por situações de crise no ensino e recomenda que, além da redefinição do calendário escolar, o plano de retomada deve observar três questões essenciais: retorno gradual, atento à saúde emocional e física da comunidade escolar;  avaliação diagnóstica imediata para identificar os diferentes níveis de aprendizagem dos estudantes no retorno às aulas e programas de recuperação da aprendizagem e uma comunicação mais frequente com as famílias.

Para Hoogerbrugge, um desafio que o Brasil precisa enfrentar é que a educação básica não é federalizada, ou seja, cada cidade tem autonomia para definir os planos de retorno às aulas. “Se a gente não organizar, vai haver um problema ainda maior. A dificuldade é que são mais de 5 mil secretários de educação. Sem protocolos centralizados e diretrizes claras, teremos respostas distintas e em diferentes momentos”, avalia.

A situação em São Miguel do Guamá, cidade distante cerca de quilômetros de Belém, capital do Pará, ilustra bem esse cenário e as dificuldades em regiões mais isoladas. Por lá, a Secretaria de Educação aposta na página do Facebook para comunicar os planos futuros, mas desde o final de abril não há novas atualizações.

“Não sabemos nem se vamos ter férias em julho. Algumas professoras mandam atividades para os alunos via WhatsApp. Mas aqui vivemos uma realidade onde muitos pais nem sequer sabem ler e escrever. Como eles vão ajudar o filho a fazer a atividade?”, alerta Marléia Reis, professora em duas escolas municipais de ensino fundamental da cidade.

Marléia dá aula para três turmas de 5° ano e está preocupada em como será o encerramento do ano letivo para esses alunos. “Em um ano inteiro, já temos dificuldade de aprendizagem, imagine agora. Como vamos avaliar e avançar esse aluno para outra série? Será que ele está aprendendo de verdade?”, questiona.

Para Giselle Santos, consultora de Inovação e fundadora da human:ia, essas perguntas são essenciais. “Um grande equívoco no Brasil e em muitos outros lugares foi partir imediatamente para soluções após a necessidade de paralisação das aulas. Não houve pausa para entender quais perguntas precisávamos fazer antes de iniciarmos o ensino emergencial remoto”, avalia. Ela defende que é necessário uma pausa para organizar a retomada das aulas. “Caso contrário, vamos voltar novamente sem planejamento.”

Giselle explica que esse planejamento precisa englobar um debate amplo sobre saúde e medidas de prevenção de contágio, sobre as relações pessoais na escola e sobre uma arquitetura física e instrucional adequada para o ambiente escolar. “Além disso é importante definirmos momentos de checagem do que está funcionando ou não”, explica.

Mas ela pondera a necessidade de entender que qualquer plano traçado agora não pode ser fixo. ”Esses momentos de reavaliação ajudam a traçar novas rotas e é por isso que entendo que nenhum país ainda pode ser considerado exemplo porque está tudo muito novo. Estamos todos aprendendo. Mas algo que já está evidente é que o aprender está tomando novos rumos. A escola é diferente do aprender. O segundo pode ser feito de qualquer lugar.”