É uma característica comum dos vírus a ocorrência das mutações. Para sobreviver, esses organismos se aprimoraram e aumentaram seus potenciais de infecção. Devido a essa particularidade é natural que os vírus causadores de infecções tenham variantes, como ocorre no caso da SARS-CoV-2. A partir do acúmulo de uma série de mutações, no caso da Covid-19 a proteína spike (S), os vírus estendem seus potenciais e se tornam mais prevalecentes, substituindo, assim, o vírus que circulava anteriormente, conforme explicam o virologista e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Fabrício Souza Campos, que participa do Projeto CoronaÔmica-BR, e a pesquisadora e diretora do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-TO), Jucimária Dantas.

A partir dessa explicação, a necessidade da realização de uma vigilância genômica do vírus, em especial em meio à pandemia, fica mais evidente. No caso da Covid-19, o CoronaÔmica realiza um estudo sobre os genomas e variantes/linhagens da SARS-CoV-2 no Brasil. O 3º Relatório Técnico de Situação da pesquisa, divulgado na semana passada, indicou que, atualmente, existem 21 genomas sequenciados e cinco variantes em circulação no Tocantins. Nacionalmente são 3.859 genomas sequenciados e 50 variantes/linhagens.

“O genoma é o conjunto das bases genéticas (citosina, guanina, uracila e adenina) que compõem o RNA viral. Quando fazemos o sequenciamento é este conjunto de bases que obtemos e analisamos. E ao comparar esse conjunto entre os vírus circulantes identificamos as variantes virais”, explicou o professor Campos. Ainda segundo o professor, com estudo e monitoramento do vírus é possível sequenciar mais genomas, o que, por sua vez, traz informações para entender sobre a disseminação dessas variantes e buscar as prevenções, como melhorias nos imunizantes.

Questionado sobre o que torna uma variante de um vírus mais perigosa que a outra, o virologista relatou: “é o conjunto de mutações que a variante acumula. Isso faz com que a variante possa escapar das defesas do nosso sistema imune e torna as vacinas menos eficazes”. Entre as cinco variantes em circulação e se disseminando na população do Tocantins, duas delas podem ser consideradas as mais perigosas, a P1 (encontrada de Manaus) e P2 (descoberta no Rio de Janeiro).

As demais variantes identificadas são a B.1.1.1, B.1.1.28 e B.1.1.33. Em março, no 2º relatório técnico, no Tocantins também haviam sido encontrados 21 genomas e uma variante a mais, que neste relatório de abril. Eram seis variantes em circulação, sendo B.1.1.161, B.1.1.28, B.1.1.29, B.1.1.33, B.1.1.4, P.1 e P.2. Já no 1º relatório de situação o Estado não aparece na relação, "ainda não tinha genomas do Tocantins", conforme o professor e virologista. 

Apesar de no Tocantins não haver uma mudança alta entre os dois últimos relatórios, nacionalmente a situação é um pouco diferente. Enquanto, em fevereiro, no primeiro relatório, foram obtidas 1.364 sequências/genomas e localizadas em 45 posições do genoma. No mês seguinte, foram obtidas 2.364 sequências, o que representa um aumento de 93,5%, sendo 56 linhagens. Já no terceiro relatório, o número subiu em 61,34%, devido à 3.859 sequências obtidas. Com relação às linhagens, o estudo encontrou 50.

O pesquisador Fabrício Campos ainda diferenciou a definição de variante e linhagem. Uma variante do vírus é um isolado cuja sequência do genoma difere daquela de um vírus de referência. “Todos os vírus fazem muitas mutações, principalmente os vírus RNA. Quando se fala em uma nova linhagem, significa que houve mutações suficientes nesse vírus para que ele se tornasse uma nova linhagem. A caracterização genômica dessas variantes de Sars-CoV-2 permite compreender o tipo de vírus que está circulando em determinada região”, esclareceu. Acesse aqui a pesquisa.

Cenário em movimento: em meio à pandemia

Quem também mantém sob vigilância genômica todas as mutações da SARS-CoV-2 no Tocantins é o Laboratório Central de Saúde Pública. Conforme a pesquisadora Jucimária Dantas, esse monitoramento constante busca justamente identificar entre essas variantes, aquelas que têm maior importância clínica, devido à sua potencialidade de infecção e índice de mortalidade mais elevado. “Na verdade são centenas de variantes identificadas ao longo da pandemia, mas isso é comum a todo tipo de vírus. Para o vírus da influenza, por exemplo, anualmente as vacinas têm modificações devido às variantes da gripe. Não seria diferente com a Covid-19. A questão é que ficamos mais atentos com aquelas que têm maior potencial clínico e tendem a evoluir com mais rapidez, até o risco de morte”, conta.

Questionada sobre se, assim como ocorre com a influenza, vacinas mais eficazes devem vir no próximo ano, Jucimária concordou e disse que muitos estudos estão sendo realizados, inclusive, pelo próprio instituto brasileiro do Butantan, que produzir a vacina chinesa CoronaVac, mas utilizada no Brasil até o momento. “A partir do momento que uma variante surge, nossas equipes do Lacen passam a monitorar essa nova cepa. Entretanto, as recomendações sanitárias continuam sempre as mesmas, os cuidados não mudam, somente devem ser redobrados para evitar que essa variante, que pode a vir a ter um potencial clínico maior, se alastre e substitua o vírus em circulação. A forma de se infectar continua a mesma, o que muda é o potencial de infecção”, relata.

Oficialmente a Secretaria de Estado da Saúde (SES) confirmou dois casos da variante P1 (Amazonas/Brasil) no Tocantins, importados ou com vínculo com locais de circulação da nova cepa. Outros casos ainda estão sendo investigados e as amostras já foram enviadas para o Laboratório de Referência Nacional, que também é responsável pelo sequenciamento de genomas das amostras. O Tocantins até o momento já enviou, desde janeiro, oito remessas com casos para investigação ao Instituto Adolf Lutz, entretanto, somente duas já tiveram retorno.

Conforme a diretora do Lacen-TO, nessas duas remessas houve a confirmação dos dois pacientes com a variante P1, conhecida como a variante do Amazonas. “Um desses casos era de um pacientes que estava internado na rede privada e outro de um dos infectados, transferidos de Manaus, para o Tocantins, quando o estado amazônico estava sem vagas”, contou.

As demais remessas, enviadas no final de fevereiro até a última semana, ainda não tiveram os resultado enviados, e segundo Jucimária, a explicação é que houve problemas com equipamentos, além disso, o projeto nacional sequência três amostras por estado, que passam por avaliações e estudos para a identificação das variantes/cepas. Entretanto, a expectativa é que nos próximos dias cheguem novos resultados e, apesar de ainda não haver previsão, em breve, o Estado poderá realizar mesmo esse trabalho.