Ao perceber que uma paciente com Covid-19 intubada estava com as mãos geladas, uma técnica de enfermagem e uma enfermeira de São Carlos (a 232 km de São Paulo) começaram a pensar em algo para amenizar o desconforto da mulher. Coincidência, ambas tinham visto momentos antes uma colega de outro estado propor o uso de luvas cirúrgicas com água morna para situações semelhantes.

Correram, encheram duas luvas com água morna, amarraram os punhos e colocaram uma das mãos da paciente entre as luvas cheias de água. Disseram ter percebido sensação de alívio da mulher intubada e a técnica viralizou e passou a ser utilizada com pacientes diagnosticados com a doença na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Prado, onde trabalham.

"Vi a ideia no horário de almoço e, quando voltei para trabalhar na sala de urgência, uma colega disse a mesma coisa. Só falei 'não acredito, vamos fazer', de tanta coincidência. Fizemos tudo juntas", disse a técnica em enfermagem Semei Araújo Cunha, 46, que passou a adotar o método junto com a enfermeira Vanessa Formenton.

Semei disse que as mãos da paciente estavam ficando cianóticas (roxas) e que, após decidirem fazer o procedimento, levou as luvas até o chuveiro do quarto para serem cheias com água morna.

"Quando acabamos de colocar, dissemos 'olha que legal'. Sentimos um aconchego, parece que ela falava com os olhos, mesmo intubada. Colocamos as luvas na mãozinha dela e ficamos passando a mão no rosto dela. Era uma forma de carinho, não só físico, mas também emocional. Não é só medicamento, higiene ou alimentação que ajudam. O paciente não está ali por querer, mas por precisar. É preciso ter empatia."

A paciente pioneira na técnica precisou ser transferida para a Santa Casa de São Carlos e a equipe não sabe qual é o quadro clínico dela atualmente.

Formada no curso de técnica em enfermagem em 2019, Semei conseguiu seu primeiro emprego na área meses depois, em abril do ano passado, já com a pandemia em curso.

E descobriu no dia a dia que sua jornada na profissão não seria fácil e que, em poucos minutos, o paciente que chega infectado com o novo coronavírus pode ter o quadro de saúde "afundado".

"É uma rotina intensa. Corre atrás de exame, dá banho em paciente, troca, corre com oxigênio de um lado para o outro e, em meio a tudo isso, é preciso ter atenção com o paciente. É questão de minutos para ele afundar. Chega às vezes até bem, mas em 15 minutos, meia hora, decai e em menos de uma hora já pode ser necessário intubá-lo."

A rotina desgastante causa reflexos no emocional dos funcionários em todo o setor de saúde na pandemia. No HC (Hospital das Clínicas) de Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo), por exemplo, houve aumento de 100% nos pedidos de consultas na psicologia entre uma quinzena e outra em fevereiro, provocadas por ansiedade devido à longa duração da pandemia e estresse por perda de algum familiar ou amigo por Covid-19.

Já no HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre), na capital gaúcha, a procura pelo serviço de atendimento psicológico por seus funcionários quadruplicou durante a pandemia.

São Carlos vive um cenário crítico, com 100% dos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) ocupados. Nesta quarta-feira (31), a cidade confirmou as mortes de sete pessoas, ocorridas nos últimos três dias. O acumulado é de 216 óbitos e 13.944 casos do novo coronavírus.

Além disso, a Prefeitura de Araraquara relatou que, nesta quinta-feira (1), seus hospitais internavam 33 pacientes de São Carlos diagnosticados com Covid-19. É a cidade com mais pessoas internadas em Araraquara.

"Muitos jovens estão morrendo e a gente se coloca no lugar da pessoa ou mesmo alguém da família. Fico pensando se fosse minha filha, meu neto. Mexe muito com o psicológico de qualquer pessoa. O paciente chega, fica mal e começa a pedir socorro. 'Me ajuda, por favor, não quero ser intubado'. No mesmo dia ou no dia seguinte, chego e ele está intubado, foi transferido de hospital ou até já morreu. É triste."

Atuando na linha de frente, Semei contraiu Covid-19 ainda no primeiro semestre do ano passado. Não precisou de internação, mas disse ter tido mais de um mês de sintomas, o que serviu para que ela se aproximasse ainda mais dos pacientes.

"Trabalhei 17 anos no administrativo em saúde. Quando perdi meu pai, há 12 anos, vi que faltou empatia e mesmo conhecimento dos funcionários sobre quem era o paciente. Disse a mim mesma que, quando me tornasse profissional da saúde, ajudaria a mudar o quadro."

Desde o primeiro uso da "mãozinha do amor", como ficou conhecida a prática entre os funcionários, no último dia 20, outros pacientes intubados e que apresentem as mãos frias já foram alvo da técnica na UPA.

"Nenhum dos pacientes intubados sabe que está sendo submetido à luvinha, mas a gente, ao mesmo tempo, sente que eles sabem que estão recebendo carinho. É isso que importa."