No dia 29 de dezembro de 2019, em Xambioá, dona Geneci Gomes de Carvalho sorria e festejava ao lado de nove dos seus dez filhos (seis mulheres e quatro homens). Ela comemorava seus 80 anos de idade e o maior presente era reunir a família daquela forma, isso a deixou grata. Durante sua trajetória, dona Geneci dividia a tarefa de criar os filhos, com a de quebradeira de coco, lavadeira de roupa e em afazeres domésticos na casa de pessoas.

Mesmo com seus 80 anos, ela não deixou de ser ativa. Em Xambioá, morava com um neto criado por ela, cuidada de sua horta e fazia tudo em casa. Dona Geneci sofria de hipertensão, mas isso não a empatava de cuidar de tudo. Porém, após quase cinco meses da celebração do aniversário com os familiares, a mulher acostumada com as dificuldades começaria a perder uma guerra contra um inimigo invisível, mas devastador.

No dia 10 de maio, dona Geneci teve que ser internada em Xambioá com suspeita de Covid-19. Isolada em um quarto, a aposentada não podia ter contato com ninguém. No dia 14, veio a o diagnóstico positivo e a família recebeu a notícia que a idosa teria que ser transferida para Araguaína. Nesse momento, filhos e netos correram para o hospital para tentar algum contado com a paciente, mas os protocolos para evitar o contágio precisam ser seguidos.

“Eu e mais três irmãs e três sobrinhos corremos imediatamente para o hospital. A gente queria ver se conseguia falar com ela de longe, pois ela estava num quarto isolada no hospital e ninguém podia entrar. Conseguimos olhar pela janela, de longe. Conversamos com ela para explicar que ela tinha que ser transferida e precisaria ter força para sair dessa. Mas ela já estava muito debilitada, cansada e fraca. Ela dizia que estava fraca. Veio um funcionário e pediu para gente sair. Essa foi a última vez que a vimos”, relata o agente comunitário de saúde, Itamar Gomes de Carvalho, 42 anos, filho de dona Geneci, antes de confirmar que a mãe foi transferida para Araguaína no dia 15 de maio, após a confirmação de uma vaga em uma Unidade de Tratamento Intensivo de um hospital particular.

Por conta dos protocolos sanitários, muitos familiares dos pacientes que morreram em decorrência da Covid-19 tiveram o último contato com a pessoa no dia da internação. As notícias chegam por meio dos boletins médicos e não existe visita presencial. Após a transferência, a família de dona Geneci só recebia informações por meio do telefone, sempre no final da tarde. No dia 19 de maio, o telefone demorou a tocar. E a ligação só veio às 23 horas e trazia a notícia que a aposentada tinha falecido, nove dias depois de ser internada.

“A gente só tinha notícia por meio de boletim, apenas uma vez e no final do dia. A cada dia a notícia era que o estado de saúde era gravíssimo. Então quando recebi uma ligação, às 23 horas, fora do horário que todos os dias recebia veio a terrível notícia que eu não queria receber”, relata o a gente de saúde.

Velório

No dia 25 de março, o Ministério da Saúde publicou um guia sobre velórios e funerais de pessoas confirmadas ou suspeitas de terem contraído a Cavid-19 e recomendou que esses rituais não fossem realizados. Na época, o objetivo era evitar a disseminação do vírus, que já tinha matada 77 pessoas no País. Dois meses depois os números já passam de 25 mil.

Com a pandemia, os dias têm saldos de mortes e recordes de óbitos.  Com os novos protocolos, as famílias se viram obrigadas a passar pelo processo de morte e luto de um ente querido à distância. Sem velórios ou com um número reduzido de pessoas e de tempo, até os abraços são evitados e os caixões lacrados.

O velório de dona Geneci teve que seguir os protocolos, com isso a última imagem que os familiares têm dela foi através de uma janela, na cama do hospital e os filhos que moram longe não puderam acompanhar o breve ritual. “O carro da funerária chegou ás 5h30 e foi direto para o cemitério. Fomos informados e partirmos direto para lá. A gente ficou de longe olhando os funcionários tirarem o caixão lacrado de dentro do carro. Fizemos uma breve oração de longe. O velório durou no máximo cinco minutos e logo ela foi enterrada. Fiquei pensando será se era ela mesmo que está ali dentro? Como que arrumaram ela antes de colocar ali dentro?  Como foi o último suspiro? Tenho certeza que todos que estavam presente se perguntaram a mesma coisa. É triste você não poder fazer um velório digno pela a pessoa que a gente tanto ama”, comenta Itamar, após afirmar que menos de dez pessoas participaram do breve enterro de sua mãe.

Segundo Itamar Gomes, todos que tiveram contato com sua mãe realizaram os testes com diagnóstico negativo e ele a relata que não sabe como a mãe foi contagiada. “ Ela era sempre se cuidando, quase não saia e quando dava uma saidinha era no supermercado, na igreja e ia na casa da minha irmã de vez raramente. Mas sempre se cuidou e usando máscara. Nem para benção do filho ela pegava mão, nem no banco ela ia, quem resolvia as coisas dela era minha irmã. Então não imagino como esse vírus chegou até ela. Até então, todos nós que tivemos contato com ela fizemos o teste e deu negativo.”, finaliza.